Por Neirevane Nunes (Bióloga, Especialista em Unidades de Conservação pela UFAL)
A recente noticia da negociação entre a Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) e a Braskem sobre terrenos que integram o Parque Municipal de Maceió (PQMM) representa um gravíssimo retrocesso ambiental, jurídico e social para Maceió.
O Parque Municipal de Maceió é uma Unidade de Conservação e foi criado pela Lei Municipal nº 2.514 de 27 de Junho de 1978, e seu espaço deve ser usado para atividades de recreação, educação ambiental e conservação da biodiversidade local. Essa mesma lei de criação no seu Art. 3º determina que sua área não pode ser inferior a 50 hectares e deve abrigar nascentes ou fontes permanentes de água e outros recursos naturais indispensáveis ao equilíbrio ecológico. E no Art. 4º a Lei determina que a Prefeitura de Maceió promova os meios necessários à aquisição da área necessária à formação do Parque Municipal e sua instalação, atendidas as normas vigentes, e correndo as despesas por conta da dotação do orçamento do município. Mas o que aconteceu com esses terrenos de composição do Parque? Não ocorreu a desapropriação dos mesmos junto a Casal? A Casal não foi devidamente indenizada pelo Município? E agora depois de todos esses anos é que a Casal de olho grande no dinheiro que recebeu da mineradora pela Estação de Tratamento do Catolé-Cardoso, outro absurdo, agora quer ganhar ainda mais sobre esses terrenos do Parque Municipal.
O Código Municipal de Meio Ambiente (Lei nº 4.548/1996), classifica o PQMM como Área de Preservação Permanente (APP) e o coloca ao conjunto das coleções florísticas remanescentes da Mata Atlântica, patrimônio ambiental inalienável e imprescritível, conforme orienta a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225. Além disso, desde a década de 1990, o Parque passou a compor a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO, e, portanto, possui valor não apenas local. A Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados no Brasil e o Parque Municipal de Maceió representa um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da
área urbana de Maceió.
Diante desse contexto, a proposta de transferência de terrenos do Parque à Braskem, como forma de indenização à CASAL por áreas afetadas no bairro de Bebedouro na região da Marquês de Abrantes, é juridicamente questionável e eticamente inaceitável. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),
instituído pela Lei nº 9.985/2000, estabelece que tais áreas são de interesse público e possuem regime jurídico especial que limita a sua alienação, transferência ou alteração de uso. Além disso, a realização de qualquer intervenção significativa no Parque Municipal exige, conforme o Código Municipal, a aprovação expressa do Conselho Municipal de Proteção Ambiental, além de estudos técnicos como o Plano de Manejo, documento que até hoje não foi efetivamente implementado, apesar de ser exigência da Lei do SNUC, assim como o seu Conselho Gestor.
Negociar terrenos de uma Unidade de Conservação, ignorando o Plano de Manejo da unidade e sem discussão com seu Conselho Gestor, representa uma violação flagrante do princípio da função socioambiental da propriedade e representa mais um retrocesso socioambiental em Alagoas, pois estamos correndo o risco de perder um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da área urbana de Maceió.
Por outro lado, chama atenção o fato de que a Braskem negocia valores milionários com a CASAL, supostamente para reparar danos causados pelo afundamento nos terrenos localizados na Marquês de Abrantes, mas se recusa a reconhecer o direito dessa comunidade à reparação integral. Como pode uma empresa admitir a necessidade de indenizar uma estatal pelos prejuízos, mas ignorar a tragédia humana vivida por essas famílias?
A possibilidade de a Braskem tornar-se “proprietária” de parte dos terrenos do Parque Municipal de Maceió é profundamente preocupante, pois fere o princípio da gestão pública das Unidades de Conservação e ameaça transformar uma área de uso coletivo, essencial à manutenção da biodiversidade em moeda de troca no contexto de um acordo que não consulta nem respeita a comunidade local.
Os impactos potenciais dessa negociação são alarmantes: prejuízo à integridade ecológica do Parque, risco de comprometimento das nascentes e dos fluxos ecológicos que sustentam a fauna e a flora locais, além de intensificar o enfraquecimento das políticas públicas de conservação, ainda mais num contexto dessa crise climática. E ainda mais grave é que tal negociação acontece à margem da revisão do Plano Diretor de Maceió, que, desde 2005, aponta o Parque como Zona de Interesse Ambiental e Paisagístico (ZIAP), o colocando como prioridade para o desenvolvimento do turismo ecológico e a promoção da qualidade de vida urbana. O próprio Plano Diretor estabelece, no art. 41, a necessidade de valorização do Parque como espaço de lazer e turismo, sua integração ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação, mediante elaboração de Plano de Manejo e criação do Conselho Gestor, além da sua conexão com a Reserva Florestal do IBAMA, através da constituição de um corredor ecológico.
É necessário reafirmar que o Parque Municipal de Maceió não é um ativo financeiro ou um patrimônio disponível para negociações privadas. Ele é uma Unidade de Conservação, um bem de uso comum do povo, dotado de regime jurídico protetivo que visa garantir sua preservação para as presentes e futuras gerações. A sua entrega à Braskem, além de ilegal, compromete gravemente o direito fundamental à qualidade de vida e a própria identidade socioambiental da cidade de Maceió.
E tudo isso acontece sem nenhuma discussão com a sociedade, em Maceió o controle social é totalmente ignorado em todos os processos de tomada de decisões. Inaceitável todo esse desmonte que estamos vivenciando e precisamos questionar o poder publico sobre esse escandaloso balcão de negócios que se tornou Maceió legitimado a partir de acordos abusivos.