A possível nomeação da procuradora de Justiça Maria Marluce Caldas para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem gerado desconforto dentro do governo e causado apreensão entre aliados do presidente Lula. A indicação, tida como resultado de um arranjo político entre lideranças alagoanas, tem sido fortemente criticada por movimentos sociais, setores do Ministério Público e integrantes da base progressista, que veem na escolha uma ruptura com os compromissos históricos assumidos pelo atual governo.
Marluce Caldas, natural de Alagoas, desponta como nome de consenso entre figuras de peso da política local, entre elas o presidente da Câmara, Arthur Lira, e integrantes do clã Caldas, como o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (JHC). Entretanto, sua trajetória funcional e os vínculos familiares com políticos conservadores e bolsonaristas têm levantado questionamentos quanto à coerência dessa eventual nomeação.
Histórico questionável
Relatórios da Corregedoria Nacional do Ministério Público apontam para falhas graves no desempenho de Marluce em áreas sensíveis, como infância e juventude. De acordo com a Reclamação Disciplinar nº 1.00588/2020-99, a procuradora teria abandonado procedimentos por anos, deixado de promover ações coletivas e demonstrado desorganização administrativa e omissão diante de violações de direitos sociais. Embora o processo tenha sido arquivado por motivos formais, como a pandemia e prescrição, as falhas relatadas continuam repercutindo negativamente entre membros da comunidade jurídica.
Vínculo com caso Braskem acende alerta
Outro ponto de tensão é a proximidade da procuradora com o prefeito JHC, seu sobrinho, protagonista de um acordo bilionário com a mineradora Braskem, firmado em 2024. A empresa é responsável pelo afundamento de cinco bairros em Maceió, desastre que atingiu milhares de famílias. O acordo, de R$ 1,7 bilhão, foi fechado sem ampla consulta pública e é alvo de duras críticas por não garantir reparações diretas às vítimas.
A articulação em favor da procuradora tem contado com apoio de figuras próximas ao Planalto, como o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas. Carvalho, que defendeu a Braskem na CPI da Tragédia de Maceió, estaria atuando nos bastidores para viabilizar a nomeação, o que, segundo aliados do presidente, reforça a percepção de que interesses empresariais e políticos se sobrepõem ao mérito técnico na escolha.
“Acordão” alagoano e risco de retrocesso
A possível nomeação de Marluce Caldas é interpretada como parte de um acordo político entre caciques alagoanos para garantir espaços estratégicos no Judiciário. A procuradora é tia do prefeito JHC, cunhada da senadora Eudócia Caldas – presidente estadual do PL – e sobrinha do ex-deputado João Caldas, condenado por desvio de recursos públicos. A família tem histórico de alianças com setores conservadores, incluindo episódios de hostilidade a pautas progressistas, como a tentativa de barrar a Parada LGBTQIA+ em Maceió em 2023.
Aliados próximos ao presidente alertam que essa articulação representa não apenas um erro político, mas um sinal perigoso de concessão ao que chamam de “bolsonarismo moderado”, sob nova roupagem. O temor é de que, ao ceder à pressão de alianças locais, o governo esteja desfigurando os princípios que o elegeram.
Desprezo à lista e à militância
A indicação de Marluce ocorre num contexto delicado: o nome mais votado da lista encaminhada ao STJ é o do subprocurador-geral da República responsável pela denúncia contra os golpistas do 8 de janeiro. Caso seja preterido, o gesto será interpretado como desrespeito à luta democrática e traição à militância que sustentou o presidente em momentos críticos da vida política nacional.
Riscos simbólicos e institucionais
Para juristas e lideranças sociais, a indicação de um nome com desempenho funcional questionável e fortes conexões familiares com políticos investigados e empresas envolvidas em crimes ambientais pode comprometer a imagem do Judiciário e desgastar ainda mais a relação do governo com sua base progressista.
“Não se trata apenas de uma escolha técnica equivocada, mas de um erro político e simbólico com potencial devastador para a credibilidade do presidente”, afirmou um importante aliado petista, sob condição de anonimato.
Com o processo ainda em aberto, cresce a pressão para que o presidente reveja a indicação. Entre os quadros jurídicos e políticos do campo democrático, a expectativa é de que Lula preserve os compromissos históricos que pautaram sua trajetória e evite chancelar retrocessos em nome de acordos táticos.