O Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial de estresse, segundo pesquisa Ipsos edição 2024. O levantamento publicado em outubro do mesmo ano revelou que 42% dos brasileiros relatam sentir-se frequentemente estressados — índice acima da média global.
O dado reflete não apenas a rotina marcada por pressões no trabalho e na vida pessoal, mas também desigualdades sociais e falta de políticas públicas consistentes voltadas para a saúde mental.
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A pesquisa foi conduzida entre 26 de julho e 9 de agosto de 2024 com a participação de 23.667 adultos entre 18 e 74 anos em 31 países. Os brasileiros que participaram da pesquisa indicaram o estresse e a saúde mental como principal problema de saúde enfrentado no país.
Nos últimos anos, o índice de preocupação com a saúde mental também aumentou. Apenas 18% citavam a saúde mental como o principal problema em 2018. O salto aconteceu durante a pandemia: o tema foi o mais citado por 40% dos entrevistados em 2021, 49% em 2022 e 52% em 2023, atingindo um novo pico em 2024, com 54%.
O estresse é uma reação natural do corpo e da mente diante de pressões e desafios. Em níveis agudos, pode até ajudar a focar e tomar decisões rápidas. Mas quando essa exposição é contínua e intensa, o corpo e a mente entram em alerta constante, prejudicando o sono, humor, imunidade e relações pessoais.
Em 2024, 54% dos brasileiros que participaram da pesquisa indicaram a saúde mental como o principal problema do país. Em 2018, foram apenas 18%
Segundo a psicóloga clínica Débora Porto, de Brasília, os sinais de alerta incluem dificuldade de concentração, esquecimento, irritabilidade, tristeza persistente, dores musculares, cefaleias, alterações de apetite e insônia.
“Quando há isolamento, queda de rendimento ou uso de álcool e comida como escape, é hora de buscar ajuda profissional”, acrescenta a psicóloga.
Vulnerabilidades e técnicas de enfrentamento
A predisposição ao estresse excessivo pode estar ligada à personalidade, histórico familiar e ao ambiente em que a pessoa cresceu. Quem é mais ansioso, viveu traumas ou tem histórico familiar de transtornos psiquiátricos tende a ser mais vulnerável. A baixa rede de apoio social e a precariedade financeira também reduzem a capacidade de recuperação da saúde mental.
Entre as técnicas mais eficazes para lidar com o estresse crônico, por exemplo, estão a psicoterapia, a prática de mindfulness, técnicas de respiração e relaxamento, além de suporte psiquiátrico quando necessário.
“O segredo é combinar estratégias de longo prazo com recursos rápidos, como a respiração, para ter ferramentas tanto na crise quanto na prevenção”, explica Porto.
Fatores sociais e culturais intensificam o problema no país. Segundo a especialista, o cenário é de desigualdade crônica, insegurança no trabalho e jornadas exaustivas. As mulheres, inclusive, sentem esse peso de forma desproporcional, pois além do trabalho formal acumulam responsabilidades domésticas e emocionais invisíveis.
“O estigma cultural também é uma barreira: ainda persiste a ideia de que pedir ajuda é sinal de fraqueza, o que leva muitas pessoas a suportarem sozinhas até o limite”, acrescenta.
Segundo a psicóloga Débora Porto, a saúde mental e o estresse são sentidos desproporcionalmente em mulheres
Em uma visão biológica, a falta de saúde mental está ligada diretamente a alterações importantes, como ativação excessiva do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, aumento da inflamação no cérebro, redução da plasticidade cerebral e desorganização cognitiva. Essas mudanças elevam o risco de depressão, transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático e abuso de substâncias.
Para o psiquiatra Luiz Alberto Hetem, doutor em saúde mental, a intervenção medicamentosa não deve ser a primeira opção em casos sem transtorno psiquiátrico diagnosticado.
“As medidas psicossociais e psicoterapêuticas — como terapia cognitivo-comportamental, higiene do sono e atividade física — são prioritárias. A medicação pode ser usada por tempo limitado em situações de insônia persistente ou ansiedade alta”, informa.
Barreiras no tratamento e perspectivas
Segundo Hetem, apesar da alta demanda, o Brasil enfrenta barreiras estruturais para lidar com a saúde mental da população: baixa oferta de atendimento em CAPS para quadros relacionados ao estresse, concentração de psiquiatras em grandes centros urbanos, estigma social e custo do tratamento no setor privado.
Sobre avanços recentes, o psiquiatra cita técnicas de meditação e mudanças de estilo de vida como alternativas seguras. “Não acredito que novos medicamentos serão a solução para o estresse não complicado. A chave está em fortalecer recursos internos e sociais para enfrentar as pressões do dia a dia”, diz.
O cenário de estresse elevado no Brasil revela uma crise que vai além da saúde individual. Exige mudanças estruturais, políticas públicas de apoio e acesso ampliado a serviços de saúde mental. Como ressaltam os especialistas, reconhecer os sinais precoces, buscar ajuda profissional e adotar práticas de autocuidado são passos fundamentais para evitar que o estresse se transforme em adoecimento.
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