Anos antes de entrar na mira da Polícia Federal (PF) por suspeita de liderar uma organização criminosa transnacional especializada no contrabando de migrantes, o paquistanês Sami ur Rahman (foto em destaque), 35 anos, foi preso em flagrante ao tentar embarcar clandestinamente em um navio, com destino aos Estados Unidos, pagando um suborno de R$ 20 mil a um funcionário do terminal portuário de Pecém (CE).
O crime aconteceu em outubro de 2015. Na data, Sami estava acompanhado de um brasileiro e outros quatro paquistaneses. Eles queriam embarcar em um navio que tinha como destino Nova Iorque, nos Estados Unidos. O grupo almejava chegar no Canadá pela rota ilegal.
O paquistanês está no Brasil desde 2013, onde entrou por São Paulo, e solicitou refúgio no país. Posteriormente, ele passou a viver em Brasília (DF).
Segundo depoimento prestado às autoridades à época dos fatos, Sami afirmou que, ao chegar ao Brasil, conheceu em São Paulo um paquistanês, que se ofereceu para facilitar sua entrada e a de outros no Canadá. Já em Brasília, ele e um grupo de conhecidos teriam pago cerca de R$ 30 mil para providenciar a viagem.
Ainda conforme o relato, meses depois o grupo recebeu novas instruções e viajou para o Ceará, onde deveria encontrar contatos locais capazes de auxiliar o embarque clandestino em um navio que seguiria rumo à América do Norte.
Posteriormente, o grupo foi orientado a tentar o embarque no Porto do Pecém, mediante o pagamento adicional de R$ 20 mil para acessar o terminal e o navio.
O Tribunal Regional Federal da 5ª região (TRF-5) entendeu que, mesmo que Sami não tivesse a intenção de embarcar no navio e ir clandestinamente para o Canadá, ele realizou parte essencial para a prática do crime.
De acordo com a Justiça, o paquistanês foi o responsável pelo transporte do valor de Brasília a Fortaleza, o que lhe traria, não fosse convencimento de autoria, ao menos de partícipe do crime.
Tal episódio foi objeto de ação penal em que o paquistanês foi condenado à pena de 3 anos e 9 meses de reclusão convertida em penas restritivas de direitos, por tráfico de pessoas e corrupção ativa.
Mesmo condenado, Sami continuou a liderar um dos esquemas mais lucrativos e perigosos do país para levar estrangeiros do Sul da Ásia até a fronteira dos Estados Unidos.
A investigação da PF aponta que ele aproveitou a liberdade para reorganizar e expandir o esquema, assumindo a posição central na logística, captação de clientes, negociação de valores e movimentação financeira internacional.
O contrabando internacional era encoberto pela identidade de suposto empresário no DF. Enquanto vivia na capital, o paquistanês abriu uma empresa no ramo de agência de viagens, com endereço na QR 502 de Samambaia Sul, que supostamente serviria de fachada para suas atividades ilegais.
Rota ilegal
A operação da PF revelou que o paquistanês liderava uma organização criminosa transnacional especializada no contrabando de migrantes, com núcleo operacional no Distrito Federal, e conexões em países como Paquistão, Afeganistão, México e Estados Unidos.
Sami seria o responsável por coordenar a entrada clandestina de migrantes oriundos do Sul da Ásia nos EUA, utilizando o território brasileiro como rota de passagem.
Os migrantes ingressavam no Brasil por vias legais ou com pedidos de refúgio, posteriormente eram conduzidos por rotas terrestres e marítimas até a fronteira com o México, ingressando clandestinamente nos EUA mediante o pagamento de valores entre US$ 4.000 e US$ 15.000.
Constatou-se que o paquistanês atuava de forma reiterada e estruturada na facilitação da migração ilegal, sendo reconhecido por diversas vítimas e cooperadores internacionais, tendo envolvimento direto no recrutamento, logística, financiamento e falsificação de documentos migratórios, inclusive por meio de interlocução com diplomatas estrangeiros, conforme relatado nas investigações.
Há ainda menção a outros integrantes da organização, apontados como elo com emissários estrangeiros e responsáveis pelas negociações de vistos falsos.
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Prisão temporária
A PF deflagrou, na quarta-feira (19/11), a Operação Rota Ilegal, com o objetivo de desarticular a organização criminosa liderada pelo paquistanês. A ação ocorreu exclusivamente no Distrito Federal, onde foram cumpridos mandados de busca e apreensão, bloqueio e sequestro de bens, além da prisão temporária de Sami ur Rahman.
O paquistanês foi preso em Samambaia Sul, na residência da namorada. Ele passou por audiência de custódia e teve a prisão mantida pela 10ª Vara Federal.
A Justiça determinou ainda medidas cautelares como apreensão de passaportes e restrição de deslocamento dos demais suspeitos. A operação contou com apoio de órgãos de inteligência estrangeiros.
Também foi autorizado o bloqueio de R$ 5,94 milhões em ativos, incluindo contas bancárias, imóveis, veículos, embarcações, aeronaves e criptoativos, atribuídos ao esquema.
A PF calcula que o grupo movimentou ao menos US$ 1,1 milhão (aproximadamente R$ 5,94 milhões) em cinco anos, sem contar ganhos paralelos obtidos com venda de documentos falsos, orientações pagas online e monetização de canais digitais voltados para migrantes interessados em chegar aos EUA.