“A mpox não acabou e ainda exige vigilância constante”, diz médica

Embora a percepção comum seja de que a mpox tenha perdido força, os números mostram outra realidade. Entre junho de 2024 e junho de 2025, o Brasil registrou mais de mil diagnósticos da doença. Desde o início do surto, em 2022, já foram confirmados 14.118 casos e 17 óbitos. Só no primeiro semestre de 2025, foram 684 infecções e uma morte, no Pará.

A concentração maior segue em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas estados como Amazonas e Santa Catarina também apresentam incidência expressiva. O estigma, o isolamento prolongado e o medo de perder o emprego levam muitas pessoas a não procurar atendimento, o que retarda o diagnóstico.

Como é a transmissão da mpox?

Durante o 24º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Florianópolis entre os dias 16 e 19 de setembro, a infectologista Mayara Secco Torres da Silva, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) chamou a atenção para a falsa impressão de que a doença estaria controlada.

“Muita gente acha que a mpox acabou, mas quem trabalha em serviços de referência vê que os diagnósticos seguem semana a semana. Isso reforça que precisamos manter vigilância constante”, afirmou.

Segundo a médica, o aumento de notificações após a declaração da mpox como emergência internacional em 2024 não ocorreu pela chegada de novos clados, mas porque os profissionais voltaram a testar e a suspeitar da infecção.

Infecção oportunista

O vínculo prévio com serviços de saúde é um dos principais fatores que levam ao diagnóstico. Pessoas que vivem com HIV ou usam PrEP (profilaxia pré-exposição) são as que mais procuram atendimento, muitas vezes já em situações graves.

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Dados apresentados por Mayara mostram que, entre pacientes com HIV, o desfecho está diretamente ligado ao cuidado prévio. Aqueles em tratamento e com carga viral controlada evoluem melhor, enquanto os que não fazem parte de grupos de terapia ou não utilizam antirretrovirais apresentam quadros mais severos, inclusive fatais.

“O quadro fulminante da mpox em pessoas imunossuprimidas trouxe uma nova reflexão, a de que a doença pode ser considerada uma infecção oportunista em indivíduos com HIV avançado”, destacou a especialista.

Estudos com o tecovirimat

Parte da atenção no congresso também se voltou para os antivirais. A experiência com o tecovirimat tem mostrado benefícios em alguns pacientes, especialmente aqueles com imunossupressão, mas ainda não há evidências consistentes de eficácia ampla para todos os perfis.

Em um dos casos acompanhados pela Fiocruz, um paciente com HIV e baixa adesão ao tratamento antirretroviral apresentou melhora importante após o uso do medicamento, conseguindo alta hospitalar depois de semanas de isolamento. Em outro, porém, a evolução foi desfavorável, culminando em óbito, mesmo após a administração do antiviral.

“Temos relatos de pacientes que responderam bem ao tecovirimat, mas também casos em que houve recrudescência de lesões ou até resistência ao medicamento. Isso mostra como ainda existe uma lacuna de conhecimento, sobretudo para pessoas com imunossupressão avançada, que nem sequer foram incluídas nos grandes ensaios clínicos”, explicou Mayara.

Segundo ela, o manejo clínico exige uma combinação de suporte, controle da dor, prevenção de complicações e acesso a antirretrovirais. Nos casos mais graves, o uso do tecovirimat pode ser considerado, mas ainda sem garantia de eficácia plena.

Mpox não pode ser esquecida

A especialista reforça que, embora a maioria dos casos evolua de forma benigna, a mpox continua trazendo consequências importantes para a vida das pessoas, sobretudo para quem vive com HIV. Além das complicações clínicas, há também efeitos sociais, como a perda do emprego após longos períodos de afastamento.

“A mpox pode não ter o mesmo peso de 2022, mas continua sendo uma doença que exige vigilância, atenção aos diagnósticos e integração com o cuidado integral às pessoas que vivem com HIV”, concluiu.

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