Auditores fiscais paralisam atividades após ministro fragilizar combate a trabalho escravo

Mais de 380 auditores fiscais do trabalho paralisaram suas atividades em protesto após ações do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, beneficiarem empregadores que foram flagrados pelos fiscais mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão. Os auditores consideram que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem vivido sob um “regime administrativo de exceção” que fragiliza o combate à escravização e assedia moralmente os funcionários públicos.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores citam ao menos três interferências do ministro, chamadas avocações, em processos que haviam concluído pela inclusão de empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo. Entretanto, fontes ouvidas pela Agência Pública alertam que o número pode ser maior, já que o ministro colocou as decisões a respeito das avocações sob sigilo.

O caso mais conhecido envolve a JBS Aves, que foi retirada da lista após Marinho decidir pela reavaliação do processo que envolvia a empresa pela consultoria jurídica do ministério, o que não é parte do trâmite normal para inclusão de um empregador no cadastro. De acordo com os auditores, a ação do ministro é inédita e cria uma instância recursal administrativa extra e que não atende aos critérios técnicos de Inspeção ao Trabalho. Entre as justificativas para a avocação, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) citou a “relevância econômica” da empresa envolvida. A Pública revelou que a ação fez com que todos os coordenadores estaduais de combate ao trabalho escravo deixassem seus postos. 

Na última terça-feira, 2 de dezembro, a Justiça do Trabalho determinou que a JBS Aves e as outras duas empresas sejam incluídas imediatamente na lista suja. A decisão argumentou que houve tentativa do governo federal de barrar a divulgação dos nomes por motivos políticos e econômicos, e não com base em critérios técnicos ou legais. O MTE afirmou que recorrerá da decisão.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores classificam as avocações como “indevidas” e criticam a declaração de sigilo em relação às análises do ministério. Os funcionários públicos também ressaltam que a “dispensa de publicidade” dos atos “é incompatível com o Estado Democrático de Direito”. 

Os auditores afirmam que não realizarão “novas operações de fiscalização de combate ao trabalho escravo em âmbito nacional e regional”, mas que as operações já iniciadas serão concluídas. Como condições para o retorno ao trabalho, eles pedem a anulação ou suspensão dos efeitos das avocações, a garantia formal de que nenhum auditor sofrerá retaliação e a abertura dos processos sigilosos para escrutínio público.

“Esse movimento é em resposta ao recrudescimento que está ocorrendo por parte do Ministro do Trabalho na autonomia da inspeção do trabalho e nas ações dos auditores fiscais do trabalho”, explicou à reportagem o auditor e membro da coordenação executiva nacional da Associação Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho (Anafitra), Mário Diniz.

Interferência do ministro resultou em anulação e auditores denunciam assédio moral

Outra interferência de Marinho envolve a empresa baiana Santa Colomba, cujos seguranças privados algemaram, agrediram, e trancaram um trabalhador em um quarto, conforme revelado pelo Brasil de Fato. Como o processo está sob sigilo, não é possível acessar a conclusão da consultoria jurídica do ministério sobre o caso.

No caso que envolve a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do SISAL (APAEB), entretanto, um documento obtido pela Pública indica que a consultoria do MTE concluiu “nulidade absoluta” dos autos de infração que haviam baseado a inclusão da APAEB na Lista Suja do Trabalho Escravo ainda em 2024. Ou seja, após a avocação, o processo e a punição foram extintos. Na carta de informe do protesto, os auditores afirmam que, após a decisão, o caso foi enviado à Corregedoria, “configurando ameaça direta e criminalização da atividade técnica regular” dos fiscais.

“Os auditores estão em choque com essa atitude do ministro, que não aconteceu nem nos regimes de exceção, nem no governo anterior e nem no governo que se organizou depois da deposição da presidente [Dilma Rousseff]”, afirmou Diniz.

O documento assinado pelos auditores que aderiram à paralisação concluiu que “a realidade apresentada, para além das flagrantes ilegalidades demonstradas, possui claros indícios de prática de assédio moral e institucional contra a categoria”.

Além de já terem apresentado uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), que aguarda análise do magistrado que substituirá o ex-ministro Luís Roberto Barroso, os auditores também pretendem levar o caso à Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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