O mieloma múltiplo é um tipo de câncer raro, que atinge principalmente idosos. Há duas décadas, o diagnóstico era dado como uma sentença de morte, com expectativa de vida de apenas mais dois anos. Hoje, com a evolução dos tratamentos, os pacientes vivem cada vez mais, e com qualidade de vida.
Embora ainda não haja a cura para a doença, os médicos falam em “cura funcional”. É quando o paciente atinge a remissão graças às novas opções de tratamento disponíveis e vive mais do que o esperado, falecendo em decorrência de outras doenças que nada têm a ver com o câncer.
Uma das tecnologias mais promissoras é a terapia com células CAR-T. O Brasil é um dos nove países onde o tratamento é feito. “O acesso às terapias modernas — imunoterapia e células CAR-T — representou um avanço muito grande e um impacto significativo na sobrevida dos pacientes”, apontpu o hematologista Angelo Maiolino, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), em entrevista ao Metrópoles. O médico participou da 21ª Reunião Anual da Sociedade Internacional de Mieloma, que ocorreu no Rio de Janeiro.
A hematologista Vania Hungria, co-fundadora da International Myeloma Foundation Latin America, lembra que, até pouco tempo, os cuidados eram voltados para o alívio dos sintomas. “Entre 1984, quando comecei a tratar pacientes com mieloma múltiplo, até meados de 2010, o avanço foi lento. Imagine que não era possível viver mais de dois a três anos. Agora, com tudo o que temos em imunoterapia, o cenário mudou muito. Tenho pacientes vivendo há mais de dez anos”, celebra.
“Tenho pacientes que me pediram para ver a formatura de seus filhos e me mandam mensagem anos depois para comemorar que viram também o casamento deles, o nascimento de seus netos”, conta a hematologista.
Mieloma múltiplo
O mieloma múltiplo é um câncer que se desenvolve na medula óssea devido a um defeito celular que afeta glóbulos brancos, chamados de plasmócitos. É o segundo tipo de câncer hematológico mais comum, depois do linfoma não-Hodgkin. Mais de 90% dos casos são diagnosticados depois dos 50 anos — no Brasil, a média de idade do diagnóstico é de 64 anos.
O diagnóstico rápido é determinante para aumentar a expectativa de vida do paciente pois, à medida que a doença avança, novas mutações ocorrem nas células, tornando-as resistentes ao tratamento.
Os sintomas mais comuns do mieloma múltiplo são fraqueza, dor nos ossos, fraturas no corpo, infecções recorrentes, anemia e alteração da função renal. “São sintomas facilmente confundidos pelos pacientes e seus familiares. Muitas vezes eles nem percebem ou não têm as queixas levadas à sério. Os médicos precisam estar muito atentos aos exames”, considera a hematologista Simone Forny, diretora médica de Hematologia, na Johnson & Johnson no Brasil.
Outro complicador é a possibilidade de a doença voltar de forma diferente após uma remissão. Quando isso acontece, o paciente precisa recorrer a uma segunda linha terapêutica, com a combinação de novas drogas. “A doença não passa por uma única fase de tratamento, ela volta e o paciente precisa receber um tratamento diferente, de preferência usando novas classes de medicamentos. Por isso, quanto mais tempo ele tiver de resposta, melhor será o prognóstico”, explica o hematologista Angelo Maiolino.
Tratamentos inovadores
O tratamento para mieloma múltiplo pode ser feito com quimioterapia, radioterapia, imunomoduladores, inibidores de proteassoma ou imunoterapia com a combinação de diferentes classes de medicamentos para destruir, controlar ou inibir o crescimento das células doentes. Em alguns casos, pode ser indicado o transplante de medula óssea.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro tratamento com células CAR-T para mieloma múltiplo em fevereiro de 2022. A tecnologia é indicada como segunda linha de tratamento, ou seja, depois de o paciente tentar uma primeira abordagem.
No CAR-T, os linfócitos (células do sistema de defesa) do pacientes são coletados de uma amostra de sangue e enviados para um laboratório nos Estados Unidos onde são modificados geneticamente e programados para reconhecer e combater o tumor.
Esses linfócitos modificados voltam para o organismo do paciente por meio de infusão intravenosa em uma única dose.
O primeiro estudo a mostrar resultados positivos do CAR-T foi apresentado em 2019. Nele, foram testados pacientes que tinham tentado pelo menos quatro outras terapias antes, mas sem sucesso. No estudo mais atual, o Cartitude-4, a terapia se mostrou segura e eficaz para ser feita após a primeira recaída do paciente.
“Pelos estudos e nossa experiência, vemos que o paciente que faz o CAR-T passa anos e anos sem recaída e sem precisar de novos tratamentos”, celebra a médica Adriana Rossi, que dirige o Centro de Excelência para Mieloma Múltiplo, do hospital Mount Sinai, dos EUA.
Limitações
Embora o CAR-T seja aprovado no Brasil, o paciente com indicação ainda encontra barreiras para o acesso tanto no sistema público quanto no privado. Os médicos ouvidos pelo Metrópoles reconhecem que se trata de um procedimento caro — ultrapassa os R$2 milhões de reais —, mas eles enxergam um benefício muito grande quando a indicação é feita corretamente.
“A gente entende que tem uma questão crítica importante do equilíbrio do sistema e do impacto orçamentário que isso pode trazer, mas quando é feito com indicação correta, o benefício é muito grande”, afirma o presidente da ABHH.
A repórter Bethânia Nunes viajou para o Rio de Janeiro, a convite da Johnson & Johnson no Brasil.
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