Caso de doméstica submetida a 40 anos de trabalho escravo por desembargador gera comoção e mobiliza autoridades

Caso de Sônia Maria de Jesus, resgatada após quatro décadas em condições degradantes, expõe falhas no sistema de proteção contra trabalho escravo doméstico.

Imagem: Reprodução/TV Globo; Reprodução/YouTube

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O Brasil acompanha com indignação o caso de Sônia Maria de Jesus, mulher negra de 51 anos, com deficiência auditiva e visual, resgatada em 2023 após viver por 40 anos em regime análogo à escravidão na residência do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis. O caso, que mobiliza o Ministério Público Federal (MPF), organizações de direitos humanos e a sociedade civil, está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda sem julgamento marcado pela 2ª Turma.

Sônia, que nunca recebeu educação formal, tampouco teve acesso a Libras, foi resgatada em junho de 2023 por auditores fiscais do trabalho. Em condições precárias de saúde, apresentava um mioma uterino, dentes infeccionados e outros sinais de abandono. No entanto, dois meses após o resgate, uma decisão polêmica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou o ato, autorizando a volta da vítima à casa de Borba. O termo “desresgate”, cunhado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), escancara uma realidade inédita e perturbadora no histórico do combate ao trabalho escravo no Brasil.

Com a repercussão do caso, Jorge Luiz de Borba e sua esposa, Ana Cristina, protocolaram um pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva de Sônia. A iniciativa, no entanto, foi amplamente criticada.

“É uma tentativa de mascarar décadas de exploração”, afirmou um procurador do MPT.

O procurador questionou como Borba pode alegar ter tratado Sônia como filha, enquanto ela jamais teve acesso à educação, saúde ou liberdade de convivência social.

“É hipocrisia profunda. Ele é pai de quatro filhos, todos com acesso a educação de qualidade e carreiras bem-sucedidas. Como comparar isso ao que foi imposto a Sônia?”, condenou.

Repercussões e resposta do governo
O caso de Sônia Maria de Jesus gerou reações contundentes, culminando em uma reunião no dia 22 de janeiro entre a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, e representantes de entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O encontro reforçou o compromisso do governo com a reformulação do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, incluindo protocolos para proteger populações vulneráveis, como pessoas com deficiência.

“Este caso é um símbolo da grave falha do sistema de proteção às vítimas de trabalho escravo doméstico”, afirmou a ministra.

O caso tramita em diferentes frentes judiciais: o aspecto criminal está no STJ sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, enquanto as ações trabalhistas e o habeas corpus estão no STF, com o ministro André Mendonça. Entidades como o MPT e a Defensoria Pública da União seguem mobilizadas para garantir a responsabilização dos envolvidos e a proteção de Sônia.

Enquanto isso, Sônia Maria de Jesus permanece como um exemplo vivo de resistência e de quanto ainda há a ser feito para erradicar o trabalho escravo no Brasil.

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