*O artigo foi escrito pela coordenadora de doutorado em Educação e Processos Cognitivos da Universidade de Nebrija, na Espanha, Claudia Poch, e pelo investigador sênior do Centro de Investigação em Cognição Nebrija Jorge González Alonso, da mesma instituição, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Costumamos pensar na memória das pessoas como sendo boa ou ruim. No entanto, talvez você conheça alguém com uma péssima memória para nomes e rostos, mas que é muito bom em aprender idiomas. Outra pode ter uma capacidade extraordinária de se lembrar de eventos passados em detalhes, mas tem dificuldade para memorizar números de telefone.
Essas aparentes contradições são o resultado da complexidade de nossas memórias. Na verdade, elas são compostas de vários sistemas que são apoiados por uma série de estruturas e mecanismos neurobiológicos que variam dependendo do que estamos aprendendo e de como este aprendizado está sendo feito.
Aprender um novo idioma, por exemplo, não usa os mesmos mecanismos ou processos cerebrais que as informações científicas. Isso dificulta a generalização sobre o que torna uma determinada estratégia de memória mais ou menos eficaz em um ambiente educacional.
Neste artigo, vamos nos concentrar apenas na memória declarativa: partes explícitas de informações que podemos acessar conscientemente, como fatos, datas, nomes, eventos passados, conceitos e assim por diante.
Estudos sobre especialistas em memória competitiva (pessoas que conseguem se lembrar de grandes quantidades de informações) mostraram que, embora a genética seja responsável por grande parte das diferenças entre sermos melhores ou piores em recordar, é possível desenvolver uma capacidade excepcional de lembrar dados usando estratégias que foram praticadas por longos períodos de tempo. As mais usadas, conhecidas como mnemônicas (técnicas que auxiliam a memória), baseiam-se na criação de imagens mentais ou métodos verbais que geralmente exigem muito treinamento.
Os recursos de visualização, como o método de loci, consistem em associar os itens a serem lembrados a lugares específicos. Por exemplo, você pode memorizar uma lista de compras seguindo mentalmente seu trajeto para o trabalho e associando os itens da lista a diferentes lugares ao longo do caminho. Quando quiser se lembrar deles, basta refazer mentalmente o percurso.
Esse método é comumente usado por especialistas, e os dados de neuroimagem mostram que, durante as tarefas de memorização, eles têm maior ativação nas áreas cerebrais responsáveis pelo processamento de ambientes espaciais.
A eficácia das estratégias mnemônicas baseia-se em três princípios fundamentais:
1 – Relacionar as informações que você quer aprender com coisas que você já sabe.
2 – Lembrar-se do caminho para acessar as informações, juntamente com as próprias informações, para recuperá-las rapidamente.
3 – Praticar para chegar à perfeição: treinar os dois primeiros processos é essencial para ter uma memória afiada e ágil.
Pesquisas sugerem que, se alguém pode ser treinado em estratégias de memória para se lembrar de 67.890 dígitos do número pi (uma proporção numérica infinita), isso também poderia ser usado para impulsionar o aprendizado nas escolas. Entretanto, embora as técnicas mnemônicas espaciais ou verbais tenham se mostrado eficazes, seu uso real na vida cotidiana é limitado.
Na escola, isso significa que elas podem ser usadas para aprender listas, como planetas ou elementos químicos, mas não para matérias ou informações mais complicadas.
Codificação de memórias e redes de conhecimento
Devido a essas limitações nos contextos escolares, vale a pena procurar outras maneiras de melhorar a memória. Podemos fazer isso concentrando-nos nos elementos envolvidos nos próprios processos de lembranças e aplicando os mesmos princípios das estratégias mnemônicas.
A criação de uma memória começa quando a informação é primeiramente percebida, catalogada e codificada no cérebro. Sabemos que o fator mais importante no aprendizado de novas informações não é a intenção ou o desejo de aprender, mas sim o que fazemos com as informações.
O processamento profundo dos dados, relacionando-os com o conhecimento existente, é a chave para facilitar a memorização – é muito mais eficiente relacionar as informações com coisas que já sabemos do que simplesmente repetir mentalmente algo até que se fixe.
Portanto, é essencial criar redes ricas de conhecimento nas quais você possa integrar e organizar novos conhecimentos. Lembrar quando o primeiro presidente americano foi eleito será muito mais fácil se o relacionarmos com o que já sabemos sobre, por exemplo, a revolução francesa. Os pesquisadores chamam isso de codificação semântica.
O processo de recuperação de uma memória é tão importante quanto o de codificação. Com muita frequência, sabemos algo, mas não conseguimos acessá-lo, como quando temos o nome de uma pessoa na ponta da língua, mas não conseguimos lembrá-lo.
Para que o treinamento da memória seja eficaz, devemos, portanto, armazenar as chaves com as quais vamos acessá-la juntamente com a própria informação. A prática repetida é essencial para que a memorização ocorra de forma mais eficiente e rápida.
Conhecendo sua própria memória
Nas escolas, o método mais eficaz não é simplesmente ensinar técnicas de memorização, mas ajudar os alunos a aprender como funciona a própria memória. Como regra geral, quanto mais conhecimento eles já tiverem e quanto mais tempo praticarem estratégias de memorização eficazes, mais fácil será para eles adquirirem novos conhecimentos.
Também é essencial ensinar aos alunos quais estratégias de estudo são mais eficazes para diferentes tipos de conteúdo e avaliação, e concentrar-se em aplicá-las com flexibilidade.
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