O Brasil vive uma escalada preocupante de crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. As ameaças, que vão desde aliciamento até participação em desafios letais, se multiplicam em plataformas digitais de baixa fiscalização e operam em tempo real. A resposta do poder público ainda é lenta, e especialistas alertam: o enfrentamento à violência virtual deve ser imediato, coletivo e multidisciplinar.
A violência digital que atinge jovens brasileiros se organiza de forma complexa e veloz. Desafios como o do “desodorante” — que vitimou uma menina em Brasília — circulam há mais de um ano nas redes, sem respostas eficazes do Estado. “Eu alertei diversos ministérios. O FBI emitiu comunicado sobre isso. O Brasil, não”, denuncia Michelle Prado, fundadora da ONG Stop Hate Brasil, que monitora grupos extremistas online.
Para a professora de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Ana Frazão, o enfrentamento passa por uma ação conjunta entre famílias, escolas, sociedade civil e, sobretudo, as big techs. “As plataformas são prestadoras de serviço e se beneficiam financeiramente do uso massivo por menores. Elas precisam ser responsabilizadas, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, argumenta.
Frazão critica a interpretação distorcida do artigo 19 do Marco Civil da Internet, usado para isentar as plataformas de responsabilidade por conteúdos nocivos. “Elas alegam que só podem ser responsabilizadas após decisão judicial específica, o que torna o processo lento e ineficaz diante da velocidade das ameaças”, explica.
A advogada Giovanna Pieralli, especialista em proteção de dados, reforça o papel das famílias e das escolas como educadoras digitais. “Crianças aprendem por repetição. O exemplo tem que vir de casa. Nas escolas, é preciso criar ambientes de escuta segura, campanhas educativas e canais de denúncia”, afirma.
A psicóloga Carol Freitas chama atenção para os sinais comportamentais que podem indicar exposição a conteúdos perigosos ou assédio digital. Mudanças de humor, isolamento, ansiedade e comportamento agressivo são sinais de alerta. “É fundamental que os pais estejam emocionalmente presentes, conversem, brinquem, criem vínculos reais com seus filhos”, aconselha.
Segundo Lia Beatriz Torraca, pesquisadora da UERJ, o excesso de tempo em frente às telas e a falta de vínculos afetivos concretos agravam o problema. Ela vê como positiva a restrição do uso de celulares nas salas de aula, mas defende ações mais profundas. “Temos que tirar os jovens do isolamento. É preciso resgatar o convívio, o afeto, a presença real. Esse é o caminho mais sólido para protegê-los”, afirma.
Diante da gravidade do cenário, os especialistas são unânimes: o combate aos crimes virtuais contra menores deve se tornar uma prioridade nacional, com articulação entre áreas como saúde pública, educação, justiça e segurança. A omissão tem custado caro — e é a infância que está em risco.