Desmatamento zero, demarcação dos territórios de povos tradicionais, reforma agrária, combate ao racismo ambiental, tarifa zero no transporte público, fim da exploração de combustíveis fósseis e a reparação justa por todas as perdas e danos provocados por barragens, mineração e desastres climáticos. Essas são algumas das principais reivindicações da Cúpula dos Povos para a COP30, principal conferência global sobre o combate às mudanças climáticas.
Entrada da Cúpula dos Povos em Belém, Pará, durante a COP30
Ao longo dos últimos dias, enquanto diplomatas de 195 países se reuniam nas salas reservadas do espaço da Organização das Nações Unidas (ONU) para negociar acordos internacionais, mais de 20 mil pessoas de diferentes movimentos sociais se juntaram na Cúpula dos Povos, no campus da Universidade Federal do Pará, para trocar experiências sobre os impactos da crise climática e debater soluções populares para o problema.
“Nós não estamos aqui passeando, não estamos aqui para festa. Estamos aqui para impedir a degradação da Amazônia e da nossa nação, porque do jeito que está indo, a nossa futura geração não vai ter mais ar para respirar”, afirmou Manoel dos Santos, conhecido como Nego da Pesca, coordenador do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, durante uma plenária.
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais durante a Cúpula dos Povos
“Nosso meio ambiente não está para negócios. Nós seremos uma pedra no sapato dos nossos governantes”, disse ele para uma plateia com militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), indígenas, mulheres e pessoas vindas de outros países da América Latina.
A Cúpula dos Povos, realizada por mais de mil organizações, começou com uma barqueata (manifestação em barcos) no último dia 12 de novembro, passou por uma grande marcha no sábado (15 de novembro), e culminou em uma carta com uma série de demandas, que foi entregue à presidência da COP30 e ministros do governo federal neste domingo (16 de novembro). Antes, o cacique Raoni, do povo Kayapó Mebêngôkre, fez uma fala para a plenária, que estava lotada de pessoas.
Raoni, maior liderança indígena do Brasil
“Assumimos a tarefa de construir um mundo justo, democrático, com bem viver para todos. Somos a unidade na diversidade”, diz o documento, composto por representantes dos movimentos feminista, indígena, quilombola, pescador, extrativista, marisqueiro, ribeirinho, extrativista, sindical, LGBTQIA+, periférico, entre outros.
A mobilização popular já obteve sua primeira vitória. Depois de protestos nos últimos dias de vários povos indígenas do Baixo Tapajós e do povo Munduruku contra a criação de uma hidrovia no rio Tapajós, o presidente Lula afirmou que nenhum empreendimento será realizado nesse rio sem que sejam feitas consultas prévias com todos os povos da região.
O anúncio foi feito pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Guilherme Boulos, no ato de encerramento da Cúpula dos Povos neste domingo, 16 de novembro.
“Eu conversei por telefone com o presidente Lula e com o ministro Rui Costa [Casa Civil] chegando aqui nesse ato da entrega da carta da Cúpula dos Povos. E nós temos o compromisso que o Governo Federal fará, em relação ao Tapajós, uma consulta livre, prévia e informada a todos os povos da região antes de implementar qualquer projeto no rio”, disse Boulos, arrancando aplausos e vivas entusiasmados.
Os povos indígenas da região pedem o cancelamento do decreto 12.600, que prevê a implementação de hidrovias nos Tapajós, Madeira e Tocantins. Em sua fala, Boulos não detalhou se consultas também serão feitas em relação às hidrovias nos outros rios, que também enfrentam resistência dos povos tradicionais.
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas, marisqueiras, ribeirinhos, sindicalistas, LGBTQIA+, periféricos, militantes do MST, mulheres e ativistas de vários países latino-americanos se unem na Cúpula dos Povos
Povos do sul global se unem por transição justa
“Não são os povos do Sul global que devem continuar pagando dívidas às potências dominantes. São esses países e suas corporações que precisam começar a saldar a dívida socioambiental acumulada por séculos de práticas imperialistas, colonialistas e racistas”, afirma a carta.
No documento, os movimentos pedem uma “transição justa, soberana e popular” e defendem a superação da pobreza e da dependência energética. “Exigimos o fim da exploração de combustíveis fósseis e apelamos aos governos para que desenvolvam mecanismos para garantir a não proliferação de combustíveis fósseis, visando uma transição energética justa, popular e inclusiva com soberania, proteção e reparação aos territórios. Em particular na Amazônia e demais regiões sensíveis e essenciais para a vida no planeta”.
A transição justa é um dos principais itens na agenda de negociação oficial da COP30. O termo se refere às mudanças necessárias para a “descarbonização” das economias, principalmente em suas matrizes energéticas. A palavra “justa” aqui é fundamental, porque o objetivo é que essas transformações não acabem por aprofundar as desigualdades entre os países ou por penalizar comunidades vulneráveis em processos como extração de minerais críticos e encerramento de atividades poluentes.
A demanda pelo fim da exploração de combustíveis fósseis também se conecta diretamente com à negociação diplomática entre os 195 países que participam da Conferência do Clima da ONU. Desde o início da COP, o presidente Lula vem defendendo a ideia de que seja estabelecido um “mapa do caminho” no qual os países definam como vão diminuir o uso de petróleo, gás e carvão.
A ideia apareceu novamente no ato de encerramento da Cúpula dos Povos neste domingo, 16 de novembro, quando a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança Climática) leu a mensagem enviada pelo presidente. “Esta é uma COP da verdade, e as demonstrações da sociedade civil estão aliadas com a ciência. Temos urgência. Não podemos adiar as decisões que estão sendo debatidas há tantos anos nas negociações como transição justa e adaptação. Precisamos do mapa do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis e pare e reverta o desmatamento”, dizia o texto lido pela ministra em nome de Lula.
O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, também destacou a conexão entre as demandas populares e a agenda diplomática. “Essas declarações fortalecem de maneira incrível a posição do Brasil nessas negociações”, disse ele no ato de entrega do documento.
O embaixador e presidente da COP30, André Corrêa do Lago
Os movimentos, porém, se posicionaram contra uma das grandes bandeiras do governo brasileiro, o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre, criado para remunerar países de floresta tropical por cada hectare de floresta em pé. “Alertamos que o TFFF, sendo um programa financeirizado, não é uma resposta adequada”, diz o documento.
Na carta, eles condenam “falsas soluções” para a crise climática que repitam práticas de um modelo econômico que, na visão deles, é o causador principal das mudanças climáticas e demandam que todos os projetos financeiros estejam sujeitos a “critérios de transparência, acesso democrático, participação e benefício real para as populações afetadas”.
A preocupação ecoa a declaração final da Cúpula dos Povos realizada há 13 anos por ocasião da Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20. Na época, movimentos sociais já se colocavam contra a “economia verde” como mais uma “fase de acumulação capitalista”.
Cúpula dos Povos termina com vitória indígena no Tapajós e entrega de agenda popular ao governo
Cúpula dos Povos 13 anos depois
Assim como na declaração de 13 atrás, a atual mantém a luta contra a privatização do que a Cúpula dos Povos de 2012 chamou de “bens comuns da humanidade”. “O ar, as florestas, as águas, as terras, os minérios e as fontes de energia não podem permanecer como propriedade privada, nem serem apropriados, porque são bens comuns dos povos”, diz a carta da Cúpula de 2025.
Já outros pontos, porém, mostram como o mundo e os movimentos sociais mudaram ao longo da última década. Com o fortalecimento dos movimentos de mulheres, indígenas e povos tradicionais, a declaração deste ano coloca o feminismo como “parte central do nosso projeto político” e exige, explicitamente, a demarcação de terras tradicionais e o reconhecimento de saberes ancestrais na construção de soluções climáticas.
“Queria que a gente saísse dessa COP conscientes de que a resposta somos nós”, afirmou em uma sessão plenária uma mulher identificada apenas como Joaninha.
Se em 2012, os movimentos não citavam guerras ou países específicos, neste ano, a declaração condena Israel pelo genocídio contra a Palestina e os Estados Unidos pelos recentes avanços contra a soberania dos países, sobretudo no mar do Caribe. “Nos solidarizamos à resistência da Venezuela, Cuba, Haiti, Equador, Panamá, Colômbia, El Salvador, República Democrática do Congo, Moçambique, Nigéria, Sudão e com os projetos de emancipação dos povos do Sahel, Nepal e de todo mundo”, diz a carta.
Crianças e adolescentes também exigem voz nas discussões
Crianças e adolescentes entregam suas demandas climáticas durante a Cúpula dos Povos
Mas talvez a maior diferença entre as duas cúpulas seja a presença de crianças e adolescentes que, pela primeira vez, formaram a Cúpula das Infâncias, composta por mais de 600 crianças e adolescentes.
Neste domingo, os mais jovens também entregaram sua própria carta ao presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, e às ministras Marina Silva, Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e ao ministro Guilherme Boulos – que ficaram visivelmente comovidos com o texto.
“Todos nós concordamos com uma coisa, não queremos crescer no mundo destruído. Não estamos pedindo, mas reivindicando nossos direitos. Queremos que cuidem do planeta, como se fosse uma criança”, diz a carta.
Nela, as crianças e adolescentes também reuniram suas propostas, que incluem: plantar “muitas árvores”, “jogar o lixo no lugar certo”, “limpar os rios e os mares”, “cuidar dos animais” e “ouvir as comunidades que estão na floresta”.
“Os adultos devem fazer sua parte porque estamos fazendo a nossa. Exigimos ajuda para proteger a Amazônia, para cuidar da terra, para que as próximas crianças e adolescentes não tenham medo do calor, da fumaça, da falta de água, da extinção dos animais, para que elas possam desenhar florestas vivas, não florestas morrendo”, disseram elas.