A ação de reparação por danos materiais e morais movida pela ex-procuradora de Justiça Maria Marluce Caldas Bezerra, de 66 anos, contra o Banco do Brasil, com reflexos diretos sobre o Estado de Alagoas, chama atenção não apenas pelo valor que ultrapassa R$ 100 mil, mas pela agilidade com que vem tramitando no Judiciário alagoano. Enquanto milhares de servidores públicos aguardam há décadas por reconhecimento de seus direitos vinculados ao PASEP, e vítimas da Braskem enfrentam uma verdadeira via-crúcis para serem indenizadas pela tragédia do afundamento de bairros em Maceió, o processo de Marluce Caldas avança em ritmo quase inédito. O contraste salta aos olhos e levanta um questionamento inevitável: por que não se garante a mesma celeridade processual a todos os cidadãos atingidos pelo Estado e por grandes corporações?
Na petição, Marluce cobra R$ 95.476,62 por perdas materiais decorrentes de desfalques e má administração da sua conta vinculada ao PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), além de R$ 10 mil por danos morais. A base da reclamação está na diferença entre o valor sacado em 2018, R$ 3.085,29 e o que ela considera o montante real corrigido, levando em conta índices legais, microfilmagens e extratos fornecidos pelo próprio Banco do Brasil.
A ação é representada judicialmente pela advogada Alessandra Caldas Bezerra, do escritório Caldas & Sousa Advogados Associados (CNPJ: 38.120.599/0001-70), com sede na Avenida da Paz, em Maceió/AL.
O processo se apoia no Tema 1150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece a responsabilidade do Banco do Brasil por falhas na gestão das contas PASEP, além de fixar prazo decenal de prescrição, contado a partir da ciência do desfalque pelo titular da conta. Segundo a ex-procuradora, essa ciência só ocorreu em 2023, quando ela teve acesso integral aos extratos bancários, daí o ajuizamento em fevereiro de 2024.
Apesar de estar juridicamente fundamentada, a celeridade incomum da ação de Marluce Caldas chama atenção, sobretudo diante do que vivem outros servidores públicos, muitos deles já aposentados ou falecidos, que aguardam há mais de 30 anos por decisões semelhantes. Em grupos de servidores e entre associações classistas, o caso tem sido interpretado como exemplo claro da desigualdade estrutural que marca o acesso à Justiça no Brasil.
Justiça seletiva?
Advogados que atuam em causas similares relatam que os pedidos de acesso a extratos do PASEP, por parte de servidores da ativa ou aposentados, são frequentemente ignorados ou demorados. Há processos sobre o mesmo tema, paralisados desde os anos 1990 em diversas varas estaduais.
“É evidente que quando se tem estrutura, nome e representação técnica qualificada, o processo corre. Mas o cidadão comum, mesmo com o mesmo direito, segue empilhado nas prateleiras da Justiça”, afirmou um advogado ouvido pela reportagem, sob reserva.
O que diz a ação?
Na peça apresentada à Vara Cível da Comarca de Maceió, a autora alega que houve falha na prestação do serviço, enriquecimento ilícito do Banco do Brasil e omissão na aplicação de rendimentos obrigatórios nas contas do PASEP ao longo dos anos. O valor base da conta, segundo os documentos anexados, era de Cz$ 819,25 em 1989 — quantia que, atualizada segundo índices oficiais (ORTN, OTN, IPC, TR, TJLP e RAC), chegaria a mais de R$ 95 mil.
A defesa também invoca o Código de Defesa do Consumidor, pleiteando a inversão do ônus da prova, com a alegação de que a parte autora é hipossuficiente em relação à capacidade técnica de comprovar os erros administrativos cometidos pelo banco.
Repercussão e precedente perigoso
Embora o mérito da ação seja considerado procedente por especialistas, a forma como a Justiça alagoana tem lidado com esse processo reforça uma crítica recorrente: a de que o sistema funciona de forma desigual e seletiva. Para muitos, a tramitação acelerada de um processo envolvendo uma ex-procuradora de Justiça acende um alerta grave sobre o acesso democrático ao Judiciário.
A expectativa é que o caso de Marluce Caldas Bezerra crie um precedente para destravar outras ações semelhantes. Mas, para as milhares de pessoas que há décadas esperam uma resposta do Estado, a desigualdade na aplicação da Justiça parece continuar sendo a regra, e não a exceção.