Em 2019, a Vara de Família do Distrito Federal concedeu a guarda unilateral de uma menina de nove anos ao pai, Haendel Magalhães Pires, apesar de alertas da mãe sobre episódios de violência psicológica, ameaças e negligência. Seis anos depois, o mesmo homem foi condenado a dois anos de reclusão por maus-tratos a uma cadela, a agressão foi flagrada por câmeras de segurança e amplamente divulgada na imprensa.
As imagens, registradas dentro do condomínio, mostram Haendel desferindo golpes violentos contra o animal. A cena gerou revolta pública e reacendeu o debate sobre decisões judiciais que afastam crianças de suas mães mesmo diante de denúncias consistentes de violência doméstica.
“Minha filha foi arrancada dos meus braços pelo Judiciário e entregue a um agressor. Agora o país inteiro viu do que ele é capaz.”, fala Jemima Ester, mãe da menina.
Separação abrupta e dor prolongada.
A mudança na guarda aconteceu em novembro de 2019, após um fim de semana de visitas com o pai. Na ocasião, a menina enviou uma mensagem à mãe informando que não voltaria mais. Jemima relata que não houve qualquer escuta técnica da criança no processo.
“Foi um sequestro emocional com respaldo judicial. Não tive sequer tempo de me despedir. Entrei em depressão”, afirma.
Segundo ela, a filha passou a apresentar sinais de sofrimento emocional, com choros frequentes, pesadelos e súplicas para retornar ao convívio materno. Em uma das visitas autorizadas, a menina se agarrou aos móveis e teve uma crise de choro ao ser preparada para voltar à casa do pai.
Mesmo com registros de escolta policial para garantir a integridade de mãe e filha, denúncias de retirada da escola fora do horário e episódios de ameaça, Jemima afirma que todas as suas queixas foram ignoradas pelo Judiciário.
“Minhas provas não valiam nada, mas qualquer absurdo que ele dizia era aceito como verdade. Isso tem nome: violência institucional.”
Durante o período em que tentava recuperar a guarda da filha, Jemima relata que passou a viver sob constante ameaça. Segundo ela, o ex-marido tinha porte de arma, mesmo diante de um histórico de agressões e denúncias registradas. “Passei a ser perseguida por um homem armado. Eu tinha medo de sair de casa, medo de ser morta”, conta.
Preocupada com a situação, ela buscou ajuda na Justiça. “Fui até o juiz pedir que ele entregasse a arma, porque eu já vinha recebendo ameaças”, afirma. O pedido foi acolhido temporariamente pelo juiz Carlos Bismarck Piske de Azevedo Barbosa, da Vara de Violência Doméstica e Familiar de Águas Claras. “Mas mesmo assim, a sensação de insegurança nunca passou”, completa.
Veja os prints de conversas entre Jemima e pessoas próximas a ela e ao ex:
Histórico de violência e denúncias ignoradas.
Jemima afirma que sofreu agressões físicas ainda durante a gestação.
“Tentei tirá-lo de casa duas vezes. Mas sempre havia alguém para dizer que seria muito difícil criar uma filha sozinha.”
Após a separação e a recusa em reatar o relacionamento, segundo ela, Haendel iniciou uma série de ações judiciais para desestabilizá-la emocional e financeiramente.
A mãe também sustenta que o pai era ausente nos cuidados com a filha. “Não dava remédio, não acompanhava na escola, nunca foi presente. Mesmo assim, conseguiu a guarda e cortou completamente o nosso vínculo.”
A condenação por maus-tratos contra a cadela mostra claramente, segundo Jemima, o que ela denuncia há anos. “Ele já era um agressor, agora, com o vídeo, está evidente.”
Coletivo Mães na Luta: uma rede de denúncias.
Jemima conta com o apoio do “Coletivo Mães na Luta”, que reúne mulheres afastadas dos filhos após denúncias de violência doméstica. O grupo atua em diversas regiões do país e denuncia o que chama de violência institucional nas Varas de Família.
“Filho tem que ficar com a mãe, somos nós que gestamos, cuidamos, protegemos. O Judiciário precisa parar de punir as mulheres que denunciam abusos, não há justiça quando uma criança é afastada de sua base afetiva”, afirma Jemima.
Ela diz ainda não ter recebido apoio do poder público, da sociedade civil nem da imprensa. “Estamos silenciadas por processos sob segredo de Justiça, vivemos esmagadas por um sistema que normaliza o sofrimento materno.”
Agora, com o novo desdobramento judicial, Jemima e sua defesa estudam entrar com pedido de reavaliação da guarda. A expectativa é de não apenas restabelecer o vínculo com a filha, mas também jogar luz sobre o que ela chama de “estrutura que protege o agressor e pune a vítima”.
Foto: Reprodução
“Quero minha filha de volta, e quero que nenhuma mãe precise passar pelo que estou vivendo há seis anos.”
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