O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (MDB-AP), havia pautado para a sessão desta terça (8) a votação de um controverso projeto que legaliza, em todo o Brasil, a operação de bingos, cassinos e o jogo do bicho, entre outros jogos de azar, mas recuou de última hora, evitando uma derrota da proposta no Plenário.
Oficialmente, Alcolumbre alegou “baixo quórum” de senadores presentes na sessão para retirar a proposta da pauta. Mas a Agência Pública apurou que o motivo por trás do recuo foi tanto um esforço da bancada evangélica para barrar a proposta, quanto a falta de consenso na base do governo Lula no Senado quanto à matéria.
A decisão de retirar o projeto da pauta deixou o relator da proposta, o senador Irajá Abreu (PSD-TO), visivelmente abatido – como visto pela reportagem no Plenário do Senado. Após Alcolumbre comunicar sua decisão, Irajá foi consolado pelo senador Jayme Campos (União-MT).
“Achei uma decisão prudente, pelo baixo quórum de hoje, mas o projeto segue pronto para votação… só depende da escolha do presidente”, disse Irajá à Pública.
Antes da retirada do projeto da pauta do dia, o senador e membro da bancada evangélica Eduardo Girão (Podemos-CE) era um dos mais agitados nos corredores do Senado na tentativa de barrar a proposta.
“A sociedade está nos cobrando. Queremos que o presidente mantenha [o projeto] na pauta, pois estamos contando com mais de 40 votos contrários”, afirmou Girão.
Pelo lado do governo, sua base no Senado não chegou a um consenso sobre a proposta. De um lado, há congressistas que enxergam na legalização de bingos, cassinos, jogo do bicho e outras modalidades uma solução para a falta de recursos e baixa arrecadação do governo Lula.
De outro, há quem enxergue o projeto como uma ‘armadilha’, vide o aumento do vício em jogos notado a partir da liberação e regulamentação das bets no país, e o risco da lavagem de dinheiro por meio da legalização, com fortalecimento do crime organizado no Brasil.
Um dos críticos à proposta dentro da base do governo é o senador Humberto Costa (PT-PE), que fez duras críticas à legalização dos jogos de azar no início da sessão desta terça – antes da retirada do projeto da pauta do dia.
“Estamos prestes a votar um projeto extremamente danoso para a sociedade. A aprovação desse projeto selaria um pacto do Estado com o vício, o fomento à criminalidade e com a destruição silenciosa de lares e consciências”, disse Costa durante a sessão.
Em 2024, dobradinha Alcolumbre-Irajá aprovou o mesmo projeto na CCJ
O projeto de legalização de bingos, cassinos e até do jogo do bicho tramita no Senado desde 2022, após ter sido aprovado naquele mesmo ano pela Câmara dos Deputados, sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL).
A proposta foi aprovada por 246 votos a 202 no último ano de governo Bolsonaro, superando o esforço de parlamentares conservadores contra a iniciativa. Para se ter ideia, a bancada evangélica na Câmara tinha 203 membros à época – ou seja, nem todos os seus integrantes votaram contra a legalização dos jogos de azar.
No Senado, a proposta vinda da Câmara parou nas mãos de Irajá de Abreu, escolhido como relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em junho de 2024, em sintonia com o então presidente da CCJ – o hoje presidente da Casa, Davi Alcolumbre –, Abreu conseguiu aprovar seu parecer sobre o projeto na comissão.
À época, o projeto de legalizar bingos, cassinos e o jogo do bicho foi aprovado por 14 votos a 12, com troca de membros de partidos na CCJ logo antes da votação – uma manobra da presidência da comissão que se mostrou decisiva para o resultado, afinal.
A legalização dos jogos de azar tem atraído uma legião de lobistas para o Congresso Nacional nos últimos meses.
Anos antes de ser escolhido como relator da proposta no senado, Irajá Abreu se encontrou com representantes do setor nos Estados Unidos em plena pandemia de Covid-19.
Como reportado pela Folha de S. Paulo, o senador fez parte de uma comitiva de parlamentares que se encontraram com representantes de um grupo que opera cassinos na ‘meca’ dos jogos de azar naquele país – a cidade de Las Vegas, no estado de Nevada. A comitiva de políticos incluía, entre outros, o senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do então presidente da República.