Alexandre Eduardo Ferreira Lopes, irmão do presidente da Confederação Nacional dos Agricultores e Empreendedores Familiares (Conafer) – uma das instituições envolvidas no caso que ficou conhecido como a Farra do INSS, comprou, em 2017, uma Hilux que havia sido furtada da garagem da Polícia Federal, em Brasília– à época localizada no Setor Policial Sul.
Na data da negociação, Alexandre se apresentou como advogado da Conafer. Ele adquiriu o ágio do veículo por R$ 60 mil, por meio de Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor de Carlos Roberto Ferreira Lopes – presidente da instituição. Segundo processo ao qual o Metrópoles teve acesso, Cícero intermediou a compra por meio de procuração e realizou pagamentos ao suposto proprietário da caminhonete.
A reportagem apurou que o carro havia sido apreendido pela PF em 14 de agosto de 2017, no âmbito de um inquérito policial. No dia seguinte, porém, alguém – não identificado — furtou o veículo de dentro da unidade. O desaparecimento só foi percebido seis dias depois, durante procedimento interno. Não há, nos documentos do processo, qualquer explicação sobre como a Hilux deixou as dependências da corporação.
A caminhonete foi encontrada novamente pela PF em 28 de março de 2018, quando Alexandre conduzia o veículo em uma quadra do Sudoeste (DF). Ao ser abordado, o advogado afirmou ter comprado o carro em 15 de setembro de 2017, cerca de um mês após o furto, de um morador da Bahia. Ele disse desconhecer que se tratava de um automóvel furtado.
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Ainda à polícia Alexandre declarou que a oferta da venda do ágio foi indicada por um cliente. Interessado na compra, ele teria delegado a Cícero a tarefa de obter, junto ao vendedor, uma procuração que agilizasse a transferência. Ambos afirmam que toda a documentação foi registrada em cartório.
Segundo o advogado, o ágio foi pago em três parcelas: R$ 50 mil, R$ 7 mil e R$ 3 mil. O valor total do veículo, no entanto, não foi informado no processo.
Ação na Justiça e negativa do juiz
Após o veículo ser novamente apreendido pela Polícia Federal, Alexandre e Cícero levaram o caso à Justiça. Na ação, o advogado pediu a devolução da Hilux, indenização por danos morais e gratuidade judiciária.
O juiz responsável indeferiu os pedidos. Na decisão, destacou que o carro estava apreendido em inquérito policial quando foi furtado da unidade, e que “quaisquer espécies de negócio” envolvendo a caminhonete “não são capazes de regularizar sua situação irregular”.
Depois da negativa inicial, o magistrado solicitou que Alexandre e Cícero apresentassem suas declarações de Imposto de Renda, a fim de analisar o pedido de Justiça gratuita. Meses se passaram sem que eles apresentassem os documentos ou voltassem a se manifestar no processo.
Diante da inércia, o Juízo declarou a ação extinta, sem resolução de mérito, por “inequívoca ausência de interesse processual”.
O Metrópoles não encontrou a defesa dos citados nesta reportagem. A Polícia Federal foi acionada, mas não retornou o contato até a última atualização deste texto. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
Farra do INSS
Em 13 de novembro, a Polícia Federal cumpriu mandados que levaram à prisão figuras importantes no esquema de descontos ilegais aplicados em aposentadorias e pensões do INSS. Entre os alvos está Cícero Marcelino.
A recente etapa da Operação Sem Desconto, conduzida pela PF em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), atingiu diretamente ex-gestores do instituto e dirigentes de entidades que se beneficiavam do sistema fraudulento.
As investigações miram crimes como inserção de dados falsos, organização criminosa, estelionato previdenciário, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro
Entre os investigados alvos de mandado de prisão, estão:
- Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
- Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como “Careca do INSS” (que já está preso na Papuda, em Brasília);
- Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
- Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
- Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer;
- Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer;
- André Paulo Felix Fidelis, ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS);
- Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira, ex-procurador-geral do INSS;
- Thaísa Hoffmann, esposa de Virgílio
Carlos Lopes, presidente da Conafer, também foi um dos alvos de operação da Polícia Federal (PF). Ele está com mandado de prisão em aberto, mas não se entregou nem foi capturado até essa segunda-feira (17/11).
Como funcionava o esquema
O grupo utilizava entidades, associações e organizações parceiras do INSS para inserir, no sistema oficial, cobranças associativas não autorizadas, que eram automaticamente descontadas no pagamento de aposentados e pensionistas
A fraude atingiu milhões de beneficiários, muitos dos quais só descobriram o golpe após notar redução permanente no valor recebido mensalmente.
Relatórios da CGU apontam que as entidades investigadas mantinham acordos internos que permitiam a distribuição dos valores arrecadados de forma indevida, movimentando grandes quantias sem transparência ou critério.
