Feminicídio: estudo mostra que 36% dos assassinos fizeram uso de droga

Os dados sobre feminicídios consumados no Distrito Federal nos últimos 10 anos revelam que o uso de álcool e drogas está presente em uma parcela significativa das ocorrências. Levantamento da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF) indica que, entre março de 2015 e agosto de 2025, pelo menos 36,4% dos 220 autores de homicídios contra mulheres estavam sob efeito de substâncias ilícitas no momento do crime.

O Estudo dos Suspeitos/Autores de Feminicídio Consumado no Distrito Federal traçou um perfil detalhado dos autores, considerando características demográficas, antecedentes criminais, uso de substâncias psicoativas, vínculo com as vítimas e contexto social.

Entre os autores, 31,4% declararam fazer uso de álcool no momento do crime, enquanto 36,4% relataram o uso de drogas ilícitas.

Dentre os autores que haviam informações sobre o uso de entorpecentes, destaca-se a cocaína (54%) e a maconha (38%).

Segundo o delegado Marcelo Zago Ferreira, coordenador da câmara técnica de monitoramento de homicídios e feminicídios da SSP/DF, há indícios claros de subnotificação. Isso porque nem sempre é possível confirmar, ao longo da investigação, se o agressor havia consumido álcool ou drogas.

“A gente parte de um número mínimo. No estudo, no mínimo 31% estavam sob efeito de álcool e no mínimo 38% sob efeito de drogas. Mas esse percentual pode ser maior, porque muitas vezes essa informação não é coletada em nenhuma fase do processo”, explica.

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Marcelo Zago Ferreira, Coordenador da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da SSP/DF

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Marcelo também destaca a importância de políticas públicas baseadas em evidências

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De acordo com o delegado, a dificuldade ocorre por limitações operacionais. Em alguns casos, o corpo da vítima é encontrado dias depois do crime, ou o autor não passa por exames periciais que permitam a constatação do uso de substâncias.

“Não é sempre que o suspeito é submetido a perícia. Às vezes, a identificação do uso é simples, quando há embriaguez evidente. Em outros casos, não”, afirma.

Embora o uso de álcool e drogas não seja apontado como a causa direta do feminicídio, o delegado destaca que as substâncias funcionam como um importante fator de potencialização da violência. “Elas não são a raiz do problema, mas atuam como um catalisador. Afrouxam freios morais e reduzem a capacidade de controle”, diz.

Um recorte específico feito pela câmara técnica da SSP-DF buscou identificar quais drogas estavam mais associadas aos crimes contra mulheres.

“São drogas estimulantes do sistema nervoso central, que tendem a deixar a pessoa mais agitada e agressiva”, explica o delegado. Já substâncias depressoras, como a maconha, costumam provocar efeitos mais letárgicos, embora também possam estar associadas a comportamentos violentos.

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Finais de semana concentram casos

O estudo também aponta que a maioria dos feminicídios ocorre aos fins de semana (52%). Para o delegado, a concentração desses crimes nesse período reforça a hipótese da influência do consumo de álcool em momentos de lazer.

Ele lembra que políticas públicas adotadas no DF, como a restrição do horário de funcionamento de distribuidoras de bebidas, já mostraram impacto positivo. “Após essa medida, os homicídios decorrentes de conflitos interpessoais caíram significativamente”, afirma, citando estudos da Subsecretaria de Gestão da Informação (SGI).

Para além da repressão penal, Marcelo também destaca a importância de políticas públicas baseadas em evidências. A SSP-DF desenvolve ações preventivas voltadas a comunidades vulneráveis, como o programa Aliança Protetiva, que capacita lideranças comunitárias e religiosas para atuar como multiplicadores de informações sobre violência doméstica e seus fatores de risco.

“O dado não pode ficar parado. Ele precisa ser usado para orientar políticas públicas eficazes. É assim que a gente consegue atuar antes que a violência chegue ao extremo”, afirma.

Casos de feminicídio

Em quase um ano, o Distrito Federal chegou a trágica marca de 26 feminicídios registrados neste ano. O número de crimes já ultrapassa a quantidade de casos ocorridos na capital do país durante todo o ano de 2024, quando 22 mulheres tiveram suas vidas interrompidas em decorrência da violência de gênero.

Os dados fazem parte do painel do feminicídio, alimentado pela SSP-DF. Até a última atualização, de 19 de dezembro, do total de feminicídios registrados em 2025, 22 casos foram confirmados. Quatro mortes ainda estão sob análise e podem mudar a tipificação.

O caso mais recente foi registrado em 5 de dezembro, dentro do 1° Regimento de Cavalaria de Guardas, em um quartel do Exército Brasileiro. A vítima é a cabo Maria de Lourdes Freire Matos, 25 anos.

Ela foi morta a facadas pelo então soldado Kelvin Barros da Silva, 21. Posteriormente, a vítima teve o corpo carbonizado após o autor provocar um incêndio no quartel.

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