Férias atípicas: como crianças autistas podem seguir rotina sem escola

Para uma pessoa neurodivergente, é fundamental manter uma rotina planejada para diminuir o risco de crises. Essa preocupação é ainda maior para as crianças autistas, que apresentam estresse e ansiedade quando têm mudanças na agenda de atividades. Durante as férias escolares e os recessos de fim de ano de terapeutas, fica um vácuo que pode causar problemas para os pequenos atípicos.

A dica dos especialistas é continuar estimulando as crianças para manter o progresso das terapias mesmo sem a rotina de atendimentos e o dia a dia de aulas. A neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, de 47 anos, criou uma estratégia para continuar mantendo sua filha, Valentina, autista nível 1 de suporte, estimulada durante as férias.

Segundo ela, o período de recessos transforma intensamente a rotina da família. “Nós reorganizamos a rotina da casa inteira. Dividimos as responsabilidades, ajustamos horários de trabalho e priorizamos os momentos-chave do dia. Trazemos a Valentina para dentro da rotina doméstica, e isso fortalece a autonomia dela”, explica ela.

“Nas férias, a rotina da Valentina muda principalmente pela quebra da previsibilidade: horários diferentes, mais tempo em casa, mudanças nos ambientes e menos estrutura. Para crianças autistas, isso pode gerar ansiedade, irritabilidade e dificuldade de autorregulação. A previsibilidade funciona como proteção emocional”, destaca a mãe, que também é especialista em autismo.

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Desafio da mudança de rotina para autistas

Para reduzir o impacto da nova rotina das férias, Silvia recorre a recursos que ajudam Valentina a compreender o fluxo do dia, a passagem de tempo, mesmo distante do ambiente escolar, mantendo horários. Ela reconstrói, no lar, a sensação de ordem que a menina reconhece e que serve como base para sua segurança.

“Mantenho uma rotina visual simples, com desenhos ou fotos indicando o que vai acontecer. Pequenos rituais, como a mesma música ao acordar, o mesmo livrinho antes do descanso, sustentam essa previsibilidade”, afirma a neuropsicopedagoga.

Além da estrutura visual e dos rituais, Silvia observa que as necessidades fisiológicas da filha influenciam diretamente seu equilíbrio emocional. “Sono e alimentação são pilares da regulação neurológica. Se esses horários mudam demais, a Valentina fica mais cansada, mais sensível e com menor tolerância às frustrações. Manter regularidade ajuda o cérebro a entender o ritmo do dia e diminui crises”, aponta Silvia.

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Valentina é estimulada em atividades como cozinhar e passear mesmo no período de férias

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Sílvia ao lado da filha Valentina, que é autista nível 1 de suporte

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A família tabém faz atividades sensoriais para estimular o desenvolvimento da menina

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Valentina também faz exercícios durante as férias

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Como aproveitar as férias com crianças atípicas?

Com a escola pausada, Silvia aprendeu a ocupar o tempo de forma leve e funcional, sempre respeitando o ritmo de Valentina. “Incluo atividades simples, como brincadeiras motoras, jogos de turno, pintura, leitura e tarefas de vida diária. Não quero encher o dia, mas oferecer oportunidades de aprendizagem dentro da nossa rotina. As férias precisam respeitar o descanso, sem perder o ritmo que a ajuda a se regular”, destaca.

A ideia seguida por Silvia é apoiada por outros especialistas. O que está em jogo é um equilíbrio, sem abandonar as atividades terapêuticas ou ocupar o tempo em excesso. É preciso estar presente na rotina da criança, criando espaços de descanso e convivência, mas sem sobrecarga.

“As férias são um momento primordial para que a criança passe mais tempo com cuidadores ou outros familiares. Além disso, é também um período para explorar e estimular os interesses e vontades da criança. É possível aproveitar situações em que a criança pode se expor a diferentes estímulos, desde que respeitando suas sensibilidades e cuidando para que ela tenha maior previsibilidade do que pode acontecer, além de ter estratégias fáceis para auxiliar na autorregulação, caso algo saia do esperado”, aconselha a psicóloga Thalita Possmoser, da Genial Care.

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Férias sem retrocesso

No caso das crianças que ainda estão em intervenção fonoaudiológica, a pausa pode gerar insegurança nos pais. A fonoaudióloga maranhense Angelika dos Santos Scheifer, especialista em atraso de fala, afirma que o recesso não precisa representar retrocesso.

“A comunicação pode ser estimulada de maneira leve e natural, sem transformar a casa em consultório. Conversar mais, nomear objetos, cantar músicas e seguir a orientação que a equipe terapêutica já vinha aplicando são atitudes simples que ajudam a manter o vínculo com a linguagem”, destaca Angelika.

A fonoaudióloga ressalta que o maior erro desse período é deixar a criança totalmente sem estímulos estruturados e evitar sua participação em festas de fim de ano e passeios em família. “É importante respeitar o descanso, mas não abandonar completamente aquilo que vinha funcionando. O ideal é seguir com microatividades diárias, sem pressão, mantendo contato frequente com experiências comunicativas e tornando a criança participante das atividades da família”, conclui.

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