A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu liminarmente a emissão de precatórios que somam R$ 3,5 bilhões, reconhecidos pela Justiça Federal do Distrito Federal em favor de hospitais e entidades privadas de saúde. Segundo denúncia da Advocacia-Geral da União (AGU), as ordens de pagamento foram emitidas antes do trânsito em julgado das ações, ou seja, antes do esgotamento de todos os recursos possíveis.
Além da magnitude dos valores, o caso chama atenção por outro aspecto: ao menos R$ 1,6 bilhão em precatórios listados foram conquistados em processos nos quais atuaram filhos de dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ): o decano Francisco Falcão e o ex-presidente Humberto Martins.
A denúncia da AGU, baseada em levantamento da Procuradoria-Regional da União da 1ª Região, apontou 35 ações com possíveis irregularidades. Dentre essas, 21 envolvem parentes dos magistrados.
O ex-advogado e hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Eduardo Martins, filho de Humberto Martins, aparece como advogado ou interessado em 19 processos com precatórios suspensos, que somam R$ 1,5 bilhão. Ele foi nomeado magistrado em março deste ano. Sua irmã, Luísa Martins, também advogada, está relacionada a nove ações. Ambos integravam o Escritório de Advocacia Martins.
Já entre os familiares de Francisco Falcão, o filho Djaci Falcão Neto atuou em 11 processos que resultaram na emissão de R$ 1,2 bilhão em precatórios. Outros filhos, Felipe e Luciana Falcão, aparecem em duas e uma ação, respectivamente. O enteado do ministro, Ferdinando Paraguay Ribeiro Coutinho, figura em dois processos com R$ 10,2 milhões suspensos.
Em um dos casos, o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul teve reconhecido o direito de receber R$ 274,4 milhões da União. Apenas em honorários, Djaci Falcão Neto receberia R$ 13,7 milhões (5%), enquanto Eduardo Martins teria direito a R$ 6,3 milhões (2,3%).
Na decisão liminar, o corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbell, afirmou que há indícios de desrespeito às regras que regulam a expedição de precatórios, especialmente quanto à exigência de que apenas sejam emitidos após o fim do processo judicial. Campbell também destacou a necessidade de maior controle institucional sobre os procedimentos adotados nas varas federais.
A AGU solicitou ainda a instauração de um procedimento de correição sobre as cinco varas envolvidas, 3ª, 4ª, 6ª, 16ª e 22ª da Justiça Federal do DF, mas esse pedido será analisado posteriormente pelo plenário do CNJ, ao qual caberá decidir se mantém ou revoga a liminar.
Procurado pela reportagem, Djaci Falcão Neto, que atua nas ações desde 2016, negou qualquer irregularidade e afirmou que os magistrados seguiram os procedimentos legais. Ele também criticou a abrangência da decisão do CNJ, mas avaliou que ela pode servir como marco para aprimorar a regulamentação dos precatórios.
No nosso entender, a decisão do ministro Mauro Campbell não reflete a realidade vivenciada na expedição dos precatórios da justiça brasileira. disse o advogado. Porém, abre uma grande oportunidade para que o plenário do CNJ regulamente o tema de forma a dar maior segurança jurídica.
Luísa Martins e Ferdinando Paraguay Ribeiro Coutinho foram procurados, mas não responderam até a publicação desta reportagem. O desembargador Eduardo Martins também não se manifestou. O espaço segue aberto para futuras manifestações.