Técnicas de enfermagem que fazem home care de alta complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Distrito Federal (DF) estão há dois meses sem receber salário. As profissionais prejudicadas desde outubro de 2025 fazem parte de cooperativas contratadas pela SOS Vida.
Recentemente, após diversas denúncias de supostas irregularidades, a empresa anunciou o fim da renovação do contrato com a Secretaria de Saúde (SES-DF).
Em nota, a SES-DF afirmou que “está acompanhando toda a transição contratual e tomando as medidas administrativas necessárias para garantir a continuidade e qualidade do atendimento domiciliar prestado aos pacientes” (leia mais abaixo).
Reclamações
O Metrópoles conversou com técnicas de enfermagem e famílias de pacientes. Para evitar possíveis retaliações, as identidades das pessoas entrevistadas serão preservadas.
Segundo Sarah (*), o atraso é o último capítulo de uma longa história de sucateamento do home care oferecido pelo SUS no DF.
“Nós erámos fichadas, tínhamos carteira assinada. Recebíamos em dia. E aí, do nada, a Secretaria de Saúde mudou o contrato e quarteirizou o serviço. Contrataram duas empresas que passaram a contratar cooperativas para prestar o serviço do tratamento domiciliar”, contou.
A mudança afetou não apenas a rotina, mas também o bolso das técnicas. O valor médio do plantão de 12 horas era de R$ 280. Com a mudança, despencou para R$ 140 e, recentemente, subiu para R$ 160.
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Serviço complexo
A profissional comentou que os pacientes são de alta complexidade. Dessa forma, o serviço prestado é parecido com o que é fornecido em uma unidade de terapia intensiva (UTI).
Para fechar as contas do mês, Sarah conta com o apoio da família. “Mas não tenho mais como ir trabalhar. Não tenho dinheiro para pagar o ônibus. Não tenho mais o que comer. Não sei como vou alimentar meus filhos. Não estão tratando a gente com respeito. É como se nós não fossemos gente, não fossemos humanas”, desabafou.
Além de manter os pacientes estáveis, as técnicas precisam estar aptas a tratar de crises dos acamados. Qualquer falha no tratamento ou no socorro pode colocar em risco a vida do assistido. É um serviço que exige competência e experiência. Sem salários, as profissionais afirmam não ter condições de manter o atendimento.
Os gastos das técnicas não se limitam ao transporte: as profissionais precisam levar para as casas dos pacientes água e comida, pois muitas famílias não fornecem o apoio. “É muito desgastante. Precisamos atender a uma família, que não é nossa, com toda a responsabilidade”, arrematou.
Com mais de 10 anos de experiência, Raquel (*) comentou que as cooperativas alegam esperar o repasse da SOS Vida para fazer os pagamentos. Mas a empresa supostamente alegou que aguarda o pagamento da Secretaria de Saúde.
“Já tivemos um, dois dias de atraso no pagamento. Nunca chegou a tanto tempo. Não dão data. Grande parte da gente é mãe solo, mora de aluguel. É preocupante. É nossa renda. Sem receber, como vou cuidar do paciente?”, disse.
“Estamos esperando Deus para receber. As famílias dos pacientes são de baixa renda”, acrescentou. Segundo Raquel, grande parte das profissionais abandonou o serviço no DF. “Não temos mais condições de trabalho”, alertou.
Famílias aflitas
Famílias de pacientes estão apreensivas e revoltadas, pois uma possível paralisação coloca a vida de seus parentes em risco. “Se o paciente ficar sem assistência por um dia já está em risco. E essas meninas são trabalhadoras. Não podem ficar sem receber. Isso é muito desumano. É injusto”, pontuou Fernanda (*), mãe de um paciente.
Para Mariana (*), mãe de jovem assistido, a situação está ficando insustentável. “É falta de respeito com as profissionais, que cumprem seu papel. É falta de respeito com os pacientes que necessitam dessa assistência e precisam de cuidados diários. É falta de respeito com as famílias.”
Outro lado
Questionada sobre os repasses à SOS Saúde, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou que “as análises de prestação de contas são devidamente avaliadas pela Subcomissão de Fiscalização de Contratos Complementares de Atenção Domiciliar (SUB-SAD)”.
“Os pagamentos seguem o fluxo regular estabelecido pela legislação e somente são realizados após a validação técnica e documental das despesas”, afirmou.
A pasta acrescentou que a transição dos pacientes atendidos pelo serviço de home care para a empresa Medicare foi concluída, “garantindo que não haja qualquer desassistência aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
O Metrópoles tentou contato com a SOS Vida. O espaço segue aberto.
(*) – Nomes fictícios