A JBS, maior produtora de carne do mundo, pode ter exportado para a União Europeia carne bovina e couro produzidos com gado proveniente de fazendas ilegais no Pará, mesmo estado que vai receber líderes mundiais em Belém para debater soluções contra a crise climática durante a COP30 no próximo mês.
Em relatório divulgado nesta quarta-feira (15) a organização Human Rights Watch (HRW) aponta que a pecuária ilegal tem devastado a floresta amazônica e violado os direitos de pequenos agricultores e comunidades indígenas na região, como a Terra Indígena Cachoeira Seca, lar do povo Arara, e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa.
Segundo o relatório, ao menos 45% da área do assentamento Terra Nossa já havia sido convertida em pasto em 2023, e 78,5% estava ocupada ilegalmente. Moradores relatam episódios de violência, incêndios criminosos e ameaças. “A gente tinha um sítio muito bonito, de onde tirava nosso sustento”, contou uma moradora à HRW.
Em entrevista para a Agência Pública, a cientista e ambientalista Karin Brüning, afirma que o avanço das fazendas ilegais representa não apenas uma crise ambiental, mas também humanitária. “A substituição da floresta por pasto reduz drasticamente a biodiversidade, altera o ciclo das águas e contribui para o aumento das emissões de carbono”. Segundo ela, as invasões e a abertura de novos pastos empurram povos indígenas e pequenos agricultores, gerando conflitos e destruindo modos de vida que dependem da floresta.
Por meio da análise de guias de trânsito animal emitidas pelo governo do estado do Pará, a HRW afirma ter identificado cinco casos em que fazendas ilegais no Terra Nossa e na TI Cachoeira Seca forneceram gado para fazendas fora dessas áreas protegidas e, posteriormente, essas fazendas venderam gado para frigoríficos da JBS. As fazendas de gado investigadas nesses territórios são ilegais segundo a legislação federal brasileira.
A GTA é exigida por lei para cada transporte de gado, mas não é um documento público. Nela devem constar origem e destino do animal, nome, CNPJ ou CPF do vendedor e do comprador do lote bovino, controle de doenças, quantidade e faixa etária e se a movimentação tem como finalidade a criação, a engorda ou o abate.
Questionada pela HRW, a JBS afirmou que monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para verificar se eles cumprem sua política de compras. A empresa também afirmou que, a partir de 1º de janeiro de 2026, será obrigatório que os fornecedores diretos disponibilizem informações sobre seus fornecedores.
Gado sem rastreabilidade e desafios
A pesquisa aponta que, a ausência de rastreabilidade completa do gado no Brasil permite que produtos contaminados por desmatamento e violações de direitos humanos cheguem até o mercado europeu. Embora o novo Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) exija, a partir de 2026, a identificação de todas as fazendas onde o gado foi criado, o sistema brasileiro ainda não oferece essa transparência. Assim, carnes e couros processados em frigoríficos da JBS localizados em municípios como Marabá (PA), Colíder (MT) e Andradina (SP) podem ter sido exportados para países como Itália, Bélgica, França e Alemanha, burlando as exigências ambientais e de direitos humanos impostas pela legislação europeia.
Karin Brüning explica que os desafios para uma pecuária sustentável são vastos e envolvem desde a fiscalização até a mudança de modelo econômico. “A rastreabilidade e o controle de origem dependem de uma estrutura estatal eficiente, o que hoje é insuficiente. Os frigoríficos controlam seus fornecedores diretos, mas o problema está nos intermediários, onde se perde a transparência. Enquanto o mercado continuar premiando a rentabilidade de curto prazo, a formalização fundiária e a sustentabilidade seguirão em segundo plano”.
Para ela, o combate à devastação exige não apenas mais fiscalização, mas cooperação internacional. “A União Europeia tem papel essencial ao endurecer regras e exigir auditoria das cadeias produtivas. Pressão e transparência precisam andar juntas, e países importadores devem assumir corresponsabilidade por produtos que chegam ao mercado com origem ilegal. Isso inclui sanções comerciais, incentivo a práticas sustentáveis e apoio técnico a pequenos produtores”, destaca a ambientalista.