A juíza de direito Iracema Botelho, que condenou o integrante do Primeiro Comando da Capital por uma tentativa de homicídio no assentamento Dorothy, em Sobradinho, classificou a área de invasão como um “palco de verdadeiras guerras pelo domínio da ocupação e controle do crime organizado, com tráfico de drogas, de armas, etc”.
A frase consta na sentença de Romário Gil de Sousa Nascimento, que recebeu 16 anos e 4 meses de pena pelo crime em Sobradinho. O faccionado já estava condenado a 94 anos de prisão, mas, com a sentença, a pena aumenta para 110 anos. Ele seguirá na Penitenciária Estadual de Formosa (GO).
“Os personagens mudam, vez ou outra, outros aparecem e as relações entre os criminosos sofrem alterações. E, o que se observa, agora, mais frequentemente, é a interligação entre criminosos nascidos no Distrito Federal, Goiás, São Paulo, Piauí, etc”, destacou a sentença.
“O Distrito Federal, particularmente, vem sofrendo uma significativa mudança dos padrões de criminalidade. São pontos de preocupação: o incremento das organizações criminosas; os arranjos entre facções, inclusive rivais, com o objetivo do fortalecimento e maior poder de fogo contra o Estado; as invasões de áreas, baseadas na falsa premissa de que se destinam a moradias, com função social; o crescimento da interface advogados/servidores públicos/ grupos criminosos; o dinamismo do crime versus a burocracia estatal”, completou o texto.
Entenda o que aconteceu no DF
- Uma briga por um lote irregular de Sobradinho, em julho de 2023, levou Romário Gil de Sousa Nascimento, membro do PCC, a atirar e ferir um homem.
- Romário, que já era foragido por um homicídio em Goiás, com pena de 35 anos, contratou a advogada Carla Aparecida Rufino Freitas para evitar a prisão.
- A advogada articulou um plano que envolvia pagar R$ 3 mil para que outra pessoa assumisse a autoria dos disparos e contatar um servidor do TJDFT para verificar se havia mandados de prisão, mesmo que sigilosos, contra Romário.
- O técnico judiciário Rigel dos Santos Brito recebeu R$ 50 para vazar as informações. Ele se tornou réu por corrupção passiva.
- A trama foi revelada após a prisão de Romário pelo crime anterior em Goiás. A polícia analisou as mensagens em seu celular apreendido e descobriu a conversa com a advogada e o envolvimento do servidor.
- Romário será julgado pela tentativa de homicídio nesta terça-feira (30/9).
- A advogada e o servidor foram presos na “Operação Temis”, mas agora respondem ao processo em liberdade.
- O servidor do TJDFT foi suspenso de suas funções por 90 dias. Em sua defesa, ele alega que só acessou dados públicos.
Enquanto morava no DF e forjava provas para escapar de uma tentativa de assassinato, Romário arquitetava mortes contra o Comando Vermelho em Caldas Novas.
Em 30 de julho de 2023, ele foi o mandante do homicídio de Welton Alves Guimarães. Oito dias antes, em 22 de julho de 2023, a advogada Carla Aparecida Rufino Freitas, 53 anos, negociava com o ex-marido, que tem um conhecido no TJDFT, para levantar informações sobre mandados de prisão contra o faccionado, inclusive, em caso de sigilo. O servidor do TJDFT teria recebido R$ 50 para passar as informações.
Ele é apontado por travar uma guerra contra a facção rival no município goiano. De acordo com as investigações da Polícia Civil de Goiás, o conflito entre as duas facções teria causado a morte de ao menos 12 pessoas em Caldas Novas.
Romário exercia a função de “executor” pelo PCC e de “disciplina” pela facção Amigos do Estado (ADE). Os grupos criminosos são aliados em Goiás. Cabia a Romário a responsabilidade de organizar ataques para assassinar membros do Comando Vermelho. Nos grupos, Romário adotava os codinomes “Galo Cego” e “Deus Proverá”.
Após a morte de Welton, o faccionado enviou mensagem a um comparsa comemorando o homicídio. Na conversa, ele apresenta o placar de assassinatos: “5 a 7”.
“Falta só uns 3 agr (sic). Para nós passa (sic) eles”, declarou. A troca de mensagem ocorreu no mesmo mês em que a advogada de Romário articulava uma falsa autoria para a tentativa de homicídio em um assentamento de Sobradinho, cometida pelo faccionado. A obstrução de provas, o conluio com o servidor do TJDFT e o papel de liderança nas organizações criminosas só foram descobertas após a prisão.
Atualmente, Romário cumpre pena no Presídio Estadual de Formosa (GO). O celular do faccionado foi apreendido e, com uma determinação judicial, as mensagens trocadas no aparelho com outras pessoas começaram a ser investigadas. É a partir desse movimento que se descobriu a trama envolvendo a advogada e o servidor do TJDFT.
Em julho de 2024, a Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a Operação Temis, que prendeu o servidor e a advogada. Eles foram soltos por um habeas corpus cinco dias após a prisão. Os dois respondem ao processo em liberdade.
Na época da prisão, o Metrópoles noticiou o caso. Em depoimento à Polícia Civil, Rigel disse que é comum as pessoas pedirem informações e pontuou que sua senha só dá direito a informações que são públicas. Dessa forma, não teria repassado informação sigilosa.
Ele também alegou não lembrar de ter recebido R$ 50, mas que poderia ter ocorrido por causa de dívidas de jogos, e não por ter compactuado com o vazamento de informações. A defesa também pediu a nulidade de provas, já que as conversas combinando o pagamento teriam sido feitas sem a autorização judicial.
A defesa do servidor alegou que a fala da advogada foi meramente para impressionar o cliente dela.
Em nota, o TJDFT informou que o servidor Rigel dos Santos Brito está cumprindo suspensão disciplinar de 90 dias, de 18 de agosto de 2025 a 15 de novembro de 2025.
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“Segundo o princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LIV, que estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, o servidor Rigel dos Santos Brito exerceu as atribuições do cargo e recebeu os respectivos vencimentos até 18 de agosto deste ano, quando iniciou o cumprimento da sanção disciplinar.”
De acordo com a corte, o corregedor de Justiça do DF determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do servidor, concluiu o procedimento e aplicou a penalidade de suspensão, no patamar máximo de 90 dias.
A reportagem também tentou contato com a defesa de Carla Rufino, mas não teve resposta.