Lobistas de empresas de combustíveis fósseis batem recorde na COP30

Mais uma vez, lobistas da indústria dos combustíveis fósseis conseguiram se registrar em peso para a COP30. São mais de 1,6 mil deles credenciados para a conferência, número que ultrapassa o tamanho das delegações de todos os países – exceto a do Brasil, que, como país anfitrião, registrou 3.805 participantes.

Isso significa que um a cada 25 credenciados para a COP30 representam os interesses da indústria de combustíveis fósseis – principal responsável pelo aquecimento global.

É um novo recorde, como mostra o levantamento realizado pela “Kick Big Polluters Out” (“expulsem os grandes poluidores”, em tradução livre), uma coalizão de mais de 450 organizações ao redor do mundo que contabiliza a presença de representantes de empresas e associações do setor fóssil nas Conferências do Clima da ONU.

Enquanto os lobistas vão em peso à conferência, ativistas organizaram um protesto contra a exploração de petróleo na Amazônia nesta quinta-feira, 13 de novembro.

“Amazônia livre de petróleo e gás”, dizia, em inglês, uma grande faixa estendida pelos manifestantes no meio de um dos corredores da chamada “zona azul” – a área da conferência de acesso restrito aos credenciados, onde é realizada a negociação diplomática.

Ativistas realizam protesto contra a exploração de petróleo na região amazônica

“A gente esperava que a COP fosse uma resposta para a gente, mas não do jeito que foi. Se tem uma COP no Brasil, era para dar uma resposta favorável aos povos indígenas, mas deram essa má notícia da exploração do petróleo na foz do Amazonas”, afirmou à Agência Pública o cacique Jonas Mura, da aldeia Gavião Real, no Amazonas, ameaçada pela exploração de gás.

Mura, que participou do ato, falava da licença concedida pelo Ibama à Petrobras poucos dias antes do início da COP30 que autoriza a perfuração de um poço teste a 175 km da costa do Amapá, na foz do rio Amazonas. Trata-se de uma área onde vivem dezenas de povos tradicionais, entre eles indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e ribeirinhos com alta sensibilidade ecológica. Nas margens da foz, há o maior corredor de manguezais do mundo, enquanto no mar estão recifes de corais pouco conhecidos.

Governo brasileiro convidou 11 representantes da Petrobras para a COP30

Petrobras e outras petroleiras estão entre os credenciados

Entre os representantes de produtoras de petróleo, a Pública contabilizou 11 funcionários da Petrobras registrados para a COP como “convidados do país anfitrião”, ou seja, do Brasil. Além deles, outros cinco nomes foram credenciados como party overflow da delegação brasileira, categoria que dá acesso aos bastidores das negociações diplomáticas.

A maioria é funcionário do segundo escalão da Petrobras, como diretores, gerentes e integrantes da equipe de comunicação (incluindo uma pessoa registrada como “coordenação de comunicação de crise”). A presidente da empresa, Magda Chambriard, por exemplo, não está na lista de participantes da COP30.

Estar registrado não significa que a pessoa efetivamente veio a Belém. Por enquanto, Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês), que organiza a conferência, disponibilizou a lista de todos os nomes credenciados para a COP.

O levantamento da Kick Big Polluters Out, disponibilizado nesta sexta-feira, 14 de novembro, aponta que, no total, 599 representantes da indústria fóssil conseguiram acesso como party overflow. Entre eles, a Pública encontrou ainda dois nomes da Equinor Brasil, produtora de petróleo da Noruega, registrados na delegação norueguesa, e outros dois nomes identificados como “CNPC Brasil” na delegação da China.

A CNPC Brasil, subsidiária da China National Petroleum Corporation, foi uma das empresas que arrematou blocos para explorar na foz do Amazonas no leilão da Agência Nacional de Petróleo, realizado em junho. Na ocasião, um consórcio entre Chevron Brasil e CNPC Brasil conquistou 10 blocos na região. Outros dez foram arrematados por um consórcio entre a Petrobras e a ExxonMobil.

A produtora americana, inclusive, também garantiu dois representantes na delegação brasileira, conforme a lista de participantes da COP30.

A presença recorde da indústria fóssil se dá no momento em que os países discutem a possibilidade de criar um “mapa do caminho” para reduzir a dependência das economias aos combustíveis fósseis. A proposta foi feita pelo presidente Lula, tanto na Cúpula do Clima, que reuniu líderes mundiais em Belém, quanto no discurso que deu início à COP30, e tem conseguido sinalizações positivas de lideranças de outros países.

COP30 com contradição brasileira

“O Brasil é um país cheio de contradições”, afirmou Stela Herschmann, do Observatório do Clima, durante o ato contra petróleo na Amazônia. Herschmann apontava para o fato de que o mesmo país capaz de reduzir o desmatamento, diminuindo suas emissões de gases do efeito estufa, e chamar o mapa do caminho pela transição para longe dos fósseis é também o país que autoriza a licença da Petrobras na foz do Amazonas.

“O bloco 59 é só o começo. Tem quase 200 blocos na foz, é uma nova fronteira de exploração que o Brasil está abrindo”, disse ela.

Para os manifestantes, o Brasil não pode se colocar como uma liderança climática nas negociações diplomáticas, enquanto, internamente, dá sinal verde para mais exploração fóssil.

“Eu quero passar um recado para o mundo. Nós, que estamos no território e nas comunidades, somos contra a exploração. Esse não é o modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. Esse é um modelo falido”, disse a quilombola Bianca Barbosa, do Marajó, durante o ato.

“Nós, que estamos no território e nas comunidades, somos contra a exploração”, diz a quilombola Bianca Barbosa, do Marajó, durante o ato

O protesto rapidamente atraiu atenção, com até diplomatas de outros países se aproximando para acompanhar e filmar a fala das lideranças de povos tradicionais e ativistas. Entre eles, estava Chumpi Washikiat, indígena do povo Achuar, do Equador, país com grande exploração de petróleo na região amazônica. Segundo reportagem de (O)Eco, é o país-latino americano com mais terras indígenas afetadas pela extração de óleo.

“A exploração não trouxe desenvolvimento nenhum”, contou Chumpi à Pública. “O único que trouxe foram impactos negativos, doenças, miséria, estradas que destroem todo o ecossistema”.

Falta transparência na “COP da verdade”

O Brasil não foi o único país a incluir representantes do setor dos combustíveis fósseis em sua delegação oficial. O Japão, por exemplo, registrou 33 pessoas da indústria, enquanto a França incluiu 22, conforme o levantamento da coalizão.

A COP30 é para ser a ‘COP da verdade’, mas mais de 1,5 mil lobistas continuam a se inserir nas delegações nacionais. E mais da metade deles ocultou sua afiliação”, disse Brice Böhmer, da Transparência Internacional.

Böhmer usou a expressão cunhada pelo presidente Lula para definir esta edição da conferência do clima. “A COP30 será a COP da verdade. Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só evidências da ciência, mas os progressos do multilateralismo”, disse ele em seu discurso de abertura.

Depois de muita pressão de organizações sociais, esta é a primeira COP em que os participantes que não são diplomatas ou ministros poderiam informar quem está financiando a participação deles na hora de se registrar. No entanto, cerca de metade (54%) dos representantes da indústria fóssil nas delegações ou não incluíram essa informação ou selecionaram categorias vagas como “convidado” e “outro”.

“Se a COP30 é de fato a COP da verdade, a Presidência e o Secretariado da UNFCCC devem se comprometer agora a revisar e fortalecer as regras de divulgação dos participantes antes das futuras cúpulas: é hora de garantir integridade e responsabilidade para restaurar a confiança”, completou Böhmer.

A Transparência Internacional e outras organizações defendem que representantes da indústria fóssil sejam excluídos de delegações nacionais e, mais do que isso, que eles não possam influenciar as negociações climáticas, para evitar conflitos de interesse.

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