O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu, nesta segunda-feira (8 de dezembro), o pontapé inicial para que o Brasil comece a traçar um caminho para reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis.
Em despacho publicado no Diário Oficial da União, ele encomendou aos ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e à Casa Civil que elaborem, em 60 dias, uma proposta de resolução com “diretrizes para elaboração do mapa do caminho para uma transição energética justa e planejada, com vistas à redução gradativa da dependência de combustíveis fósseis no país”.
Essa resolução será submetida ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que é quem estabelece as políticas e diretrizes do setor energético do país. O documento a ser elaborado pelos ministérios também deverá propor mecanismos de financiamento para que seja implementada a política de transição energética no Brasil.
O despacho cita especificamente a criação do “Fundo para a Transição Energética”, a ser custeado com “receitas governamentais decorrentes da exploração de petróleo e gás natural”.
Por que isso importa?
O mapa do caminho para uma transição energética justa e planejada é um passo inicial para a redução gradativa da dependência de combustíveis fósseis no Brasil;
O tema, que ficou de fora das decisões da COP30, foi retomado em despacho do presidente, que cita a criação de um fundo para a transição energética, custeado com receitas da exploração de petróleo e gás.
A medida é uma resposta nacional a uma demanda que o próprio Lula tinha feito no âmbito internacional durante a 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, realizada em Belém em novembro. Por diversas vezes, Lula conclamou os países a concordarem, como um dos resultados da COP, que fosse desenhado o tal mapa do caminho para que o mundo começasse a trilhar o seu afastamento dos combustíveis fósseis.
Em um de seus discursos ainda antes de a COP começar, durante a realização da cúpula de líderes, que reuniu chefes de estado e de governo em Belém no comecinho de novembro, Lula chegou a sinalizar que iria criar esse fundo, mencionado no despacho desta segunda, com recursos do petróleo para financiar a transição energética no país.
“Direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece um caminho válido para os países em desenvolvimento. O Brasil estabelecerá um fundo dessa natureza para financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover justiça climática”, afirmou aos líderes presentes em Belém.
No mesmo discurso, um pouco antes, Lula tinha dito que “a Terra não comporta mais o modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que vigorou nos últimos 200 anos” e lembrou que “75% das emissões de gases do efeito estufa têm origem na produção e no consumo de energia”.
Na ocasião, porém, ele não deu mais detalhes sobre como seria esse fundo. Questionada pela imprensa, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que isso seria discutido no governo.
Apesar de os 194 países reunidos em Belém não terem conseguido chegar a um acordo para incluir nos documentos adotados na COP30 algum encaminhamento sobre o mapa do caminho, o debate sobre o tema acabou ganhando tração política em Belém, com cerca de 80 países se mostrando favoráveis que isso fosse incluído. Do outro lado, porém, uma quantidade similar de nações se mostrou radicalmente contrária a esse tipo de decisão, o que chegou a travar as negociações na conferência e impediu um avanço nesse sentido.
Ainda assim, ao final do evento, o presidente da COP30, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago – que segue à frente das negociações climáticas internacionais até o início da COP31, na Turquia – se comprometeu a organizar estudos e debates com as mais diversas organizações, de entidades de pesquisa de energia a grupos petroleiros, para propor como poderia se dar esse mapa do caminho. (Em entrevista ao podcast Bom dia, fim do mundo, a diretora-executiva da COP30, Ana Toni, explicou os planos).
Toda essa movimentação, porém, gerou questionamentos sobre como Lula conduziria internamente a questão. Os apelos internacionais dele ocorreram apenas semanas depois de o Ibama liberar a Petrobras a perfurar um poço de petróleo na sensível região da Foz do Amazonas, na costa do Amapá – o que pode ser o início da abertura de uma nova fronteira de exploração no país.
Se o país tem planos de aumentar sua produção de combustíveis fósseis, e não de reduzi-los, qual moral teria para pedir que os demais façam isso? Essa contradição fez com que muita gente temesse que o tema passaria ao largo da COP30. Por outro lado, se o mundo em conjunto decidir como vai ser o processo de abandonar os combustíveis fósseis de maneira justa, ordenada e equitativa, o Brasil acabaria indo junto, de todo modo.
Este foi um dos debates mais acalorados no país ao longo deste ano, com Lula sendo cobrado por, de um lado, querer ser um líder climático global, mas, por outro, avançar para ser, na prática, um líder poluidor. Paralelamente, a ministra Marina Silva passou boa parte do ano defendendo que um passo para a transição para longe dos combustíveis fósseis fosse dado em Belém, como um sinal de que o Brasil, e o mundo, levam a sério o combate às mudanças climáticas.
Lula acabou se convencendo de que esse seria um resultado importante da COP e comprou a ideia, defendendo-a arduamente durante a conferência, ao lado até mesmo de um atônito Alexandre Silveira, o ministro de Minas e Energia, que parecia não saber dos planos do presidente.
Na semana passada, finalizada a COP, o presidente Lula convocou uma reunião com alguns de seus ministros para discutir o assunto. Conforme a Agência Pública apurou, ele defendeu que seu governo deveria fazer a “lição de casa” daquilo que ele havia proposto ao mundo na COP. O despacho desta segunda é o primeiro passo para formalizar internamente isso.