Venda autorizada pela Justiça, com imóvel avaliado abaixo do mercado e honorários que podem superar R$ 1 milhão, acirra embate de 25 anos, leva caso ao CNJ e levanta suspeitas sobre a condução do inventário
Por mais de duas décadas, o inventário de Jairo Farias de Omena, morto em 1998, segue sem desfecho no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL). O processo, que já soma 25 anos de tramitação, ganhou novos contornos de gravidade após a autorização judicial para a venda da Fazenda Vale do Catolé, imóvel localizado em Maceió e responsável por cerca de 78% do patrimônio do espólio.
A alienação do bem transformou o caso em um dos mais controversos conflitos sucessórios em andamento no Estado, envolvendo herdeiros, empresas imobiliárias, honorários milionários e, agora, uma reclamação disciplinar protocolada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os herdeiros da família Omena acusam o inventariante dativo, Daniel dos Santos Gomes, de conduzir a venda do imóvel sem o consentimento dos sucessores e por valor considerado muito inferior ao de mercado. Avaliada judicialmente em R$ 2,6 milhões, a fazenda teria, segundo os herdeiros, valor real ao menos quatro vezes maior. A venda foi autorizada em fevereiro de 2025, com depósito do valor em conta judicial.
Reclamação no CNJ
O caso ultrapassou os limites do Judiciário alagoano após a advogada Adriana Mangabeira Wanderley ingressar com reclamação disciplinar no CNJ, registrada sob o número 0009421-67.2025.2.00.0000, contra o presidente do TJ-AL, desembargador Fábio José Bittencourt Araújo
O procedimento, distribuído à Corregedoria Nacional de Justiça, pede a apuração da atuação judicial no inventário e dos atos que autorizaram a alienação do imóvel e a fixação dos honorários.
Na petição, a advogada sustenta que o negócio autorizado pela Justiça, aliado à fixação de honorários elevados, acirrou um embate sucessório histórico e levanta dúvidas sobre a regularidade da condução do processo
Questionamentos sobre o inventariante
O episódio ganhou contornos ainda mais sensíveis quando os herdeiros passaram a questionar a própria escolha do inventariante. Daniel Gomes, além de servidor público vinculado à Prefeitura de Maceió, atua desde 2021 como assessor de segurança no gabinete do desembargador Alcides Gusmão, do TJ-AL, que foi relator do processo em parte de sua tramitação. Para a família, a proximidade funcional levanta suspeitas de possível conflito de interesses — hipótese rejeitada pelo inventariante.
A justificativa formal apresentada nos autos para a venda foi a necessidade de quitar despesas processuais e execuções fiscais. Os herdeiros, porém, afirmam que a maior parte dessas dívidas estaria arquivada e que os valores remanescentes não justificariam a alienação do principal bem do espólio. Dois sucessores ainda residem na propriedade e resistem à desocupação.
Empresas recém-criadas e honorários sob crítica
A proposta de compra partiu da Bite Consultoria em Empreendimentos Imobiliários Ltda. e da VDC Imobiliária Ltda., esta última constituída apenas em abril de 2025, circunstância que ampliou a desconfiança dos herdeiros. Outro ponto central do conflito são os honorários fixados judicialmente: 5% do monte-mor ao inventariante dativo e 10% ao advogado, valores que podem ultrapassar R$ 1 milhão. Segundo a família, os percentuais são desproporcionais e superam, individualmente, o quinhão de cada herdeiro.
Em setembro de 2025, o comprador pediu que a Prefeitura de Maceió fosse oficiada e que os locatários da fazenda passassem a depositar os aluguéis em juízo. O pedido foi negado pelo juiz João Dirceu Soares Moraes, da 20ª Vara Cível de Sucessões, sob o argumento de que tal obrigação somente poderia ser imposta após a efetiva transferência da titularidade do imóvel. No mesmo despacho, os embargos apresentados pelos herdeiros para suspender os alvarás de venda foram considerados prejudicados, uma vez que as autorizações já haviam sido expedidas.
O processo principal tramita sob o número 0011521-11.2000.8.02.0001 e tornou-se símbolo de uma disputa sucessória marcada por decisões contestadas e sucessivos recursos. Os herdeiros afirmam que a alienação atende a interesses externos e sustentam que recorrerão para tentar reverter tanto a venda quanto os honorários fixados.
Em nota enviada por seu advogado, Márcio Feitosa Barbosa, o inventariante Daniel dos Santos Gomes nega irregularidades e afirma que todas as decisões, nomeação, avaliação, honorários e venda foram confirmadas pelo Judiciário em duas instâncias. Segundo ele, a longa duração do inventário decorre da inércia dos próprios herdeiros, que teriam usufruído dos bens sem autorização judicial ao longo dos anos.
A defesa sustenta ainda que a avaliação de R$ 2,6 milhões foi realizada por perito nomeado pelo juízo e não sofreu contestação no momento oportuno. Afirma que a venda é necessária para quitar custas processuais, honorários periciais, comissão de corretagem, ITCMD com multa por atraso e diversas execuções fiscais de IPTU, ainda que arquivadas por baixo valor.
Enquanto as versões se chocam, a judicialização do caso no Conselho Nacional de Justiça amplia o alcance da controvérsia e volta a colocar o Judiciário de Alagoas sob escrutínio, em uma disputa que envolve herança, poder e decisões judiciais que ainda prometem novos desdobramentos.
