Marina angaria sinais de apoio a roteiro para o fim dos combustíveis fósseis

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A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, forte defensora de que a COP30 entregue algum tipo de encaminhamento em relação à necessidade de abandonarmos os combustíveis fósseis, conseguiu nesta quarta-feira (12) alguns apoios de peso, em uma sinalização política de que o tema talvez possa ver algum avanço em Belém.

Em um painel realizado no pavilhão do Brasil para discutir iniciativas para a transição para longe dos combustíveis fósseis, Marina recebeu representantes de alto nível de seis países da Europa, da África e da América Latina, além de dois economistas de renome sobre os custos da inação climática. E ouviu endossos para o apelo – lançado pelo presidente Lula tanto na cúpula dos líderes, na semana passada, quanto na abertura da COP30, nesta segunda-feira (10) – de que a reunião traga uma espécie de mapa do caminho para o abandono de combustíveis fósseis.

O vice-ministro do Meio Ambiente, Ação Climática, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, Jochen Flasbarth, foi quem falou de modo mais direto nesse sentido. “Para ser muito explícito, nós vamos apoiar qualquer decisão de criar, de dar o pontapé inicial, em um mapa do caminho para transitar para longe dos combustíveis fósseis neste ano, aqui em Belém. Seria um ótimo sinal e espero que consigamos”, afirmou.

Flasbarth disse também que gostaria de aplaudir Marina e o presidente Lula por sua fala na abertura da COP: “Ele foi muito explícito sobre o que estamos discutindo aqui e, para ser franco, eu fiquei surpreso e feliz”.

No mesmo tom, Rachel Kyte, enviada especial para Mudança do Clima do Reino Unido, afirmou que “o sinal de Lula foi extraordinário” e um mapa do caminho poderá ajudar os países a gerir suas transições energéticas pelo que foi previsto no parágrafo 28 do balanço global e também pelo que está no Acordo de Paris. “E isso é muito importante, porque a jornada de Angola será diferente do Reino Unido, a jornada de Guiana será diferente do Brasil, a jornada da Dinamarca será diferente da Namíbia, mas todos estamos comprometidos com a jornada”, afirmou.

A britânica disse que o Reino Unido gostaria de ver uma maneira, não de negociar algo novo, mas em concordar que há um processo de gestão em curso baseado nos acordos feitos há dois anos e nos acordos feitos há 10 anos e encerrou sua fala mostrando apoio à Marina: “Estamos totalmente ao seu lado”.

Ole Thonke, embaixador para Clima e subsecretário para Políticas para o Desenvolvimento do Ministério de Relações Exteriores da Dinamarca, também indicou animação com a possibilidade de ver o tema avançar de algum modo em Belém. Ao afirmar que a transição vai acontecer, de um jeito ou de outro, e que os países precisam se preparar para isso, ele afirmou que isso tem tudo a ver com a ideia de esta ser a COP da implementação e com a declaração do presidente Lula.

“Ficamos muito inspirados com o que o Brasil fez com o Azerbaijão de criar um mapa do caminho de Baku a Belém [com sugestões de como alavancar o financiamento climático de US$ 300 bilhões para US$ 1,3 trilhão]. Como pegamos o que foi negociado e colocamos em prática. Poderíamos fazer algo similar? Poderíamos nos inspirar nesse processo [para fazer o mesmo] com os combustíveis fósseis? Eu vejo muitas oportunidades de levar isso adiante e agradeço ao Brasil por tomar a liderança”, afirmou.

Além de Alemanha, Dinamarca e Reino Unido, participaram do encontro representantes de alto nível da França, Colômbia e Quênia. O economista Nicholas Stern, presidente do Instituto Grantham de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Reino Unido, e o presidente do Conselho de Energia, Meio Ambiente e Água da Índia, Arunabha Ghosh, apresentaram algumas sugestões de como pode se dar esse abandono dos fósseis. 

O painel, convocado pela ministra do Meio Ambiente do Brasil, tinha o objetivo de discutir estratégias sobre como implementar uma decisão tomada há dois anos, na COP28, em Dubai, quando foi feito o primeiro balanço global do Acordo de Paris. O documento, em seu parágrafo 28, aponta medidas que precisam ser adotadas pelos países para colocar o planeta no rumo de conter o aquecimento do planeta em 1,5°C na comparação com os níveis pré-industriais. 

É ali que foi definida – pela primeira vez nos então 28 anos de conferências do clima – a necessidade de lidar com o principal responsável pela crise climática. A decisão de fazer a tal “transição para longe dos combustíveis fósseis, de uma maneira ordenada, justa e equitativa”. Mas ficou para ser definido depois como vai se dar esse processo.

Foi por conta dessa indefinição que ganhou força a ideia de que é preciso criar um roteiro, um mapa do caminho, para ajudar a estabelecer os passos dessa transição. 

Por diversas ocasiões, tanto na cúpula dos líderes, na semana passada, quanto na abertura oficial da COP30, nesta segunda-feira (10), Lula repetiu que gostaria de ver isso, de algum modo, tomando alguma forma em Belém. A mensagem reflete alguns dos principais anseios dos países mais vulneráveis às tragédias climáticas e é fortemente defendida por ambientalistas e cientistas. Se o mundo quer conter o aquecimento global, precisa começar a falar a sério sobre o fim do uso de combustíveis fósseis.

O problema é que esse mapa do caminho não está previsto na agenda das negociações desta COP. Depois da menção em Dubai, o assunto foi enterrado na COP do ano passado, em Baku, e quando as negociações para a COP30 começaram, não se chegou a um acordo para que o tema fosse colocado na agenda.

O planeta, porém, alcançou, neste ano, um recorde de emissão de gases de efeito estufa. 2025 pode fechar como o segundo ou terceiro ano mais quente do registro histórico, alertou a Organização Meteorológica Mundial. Eventos extremos continuam atingindo diversas partes do mundo. E cientistas já admitem que, ao menos temporariamente, vamos ultrapassar o aquecimento de 1,5°C.

Os apelos são cada vez mais forte do lado de fora dos espaços negociadores para que uma decisão mais efetiva seja tomada para nos colocar no trilho correto.

O painel realizado no pavilhão do Brasil é paralelo ao processo formal diplomático da conferência. De modo que não significa que, necessariamente, terá repercussão nas negociações. Provavelmente o tema não entrará não entrará no trilho formal de negociação. Mas sinais políticos importam, orientam as discussões que ocorrem a portas fechadas e podem levar ao encontro de alguma solução alternativa. 

Ao final do evento, Marina afirmou que imagina que talvez seja possível sair de Belém “com uma espécie de mandato para desenhar esse mapa do caminho”. Reconheceu que é um tema complexo, mas insistiu na importância de uma decisão neste sentido. “Em que pesem as contradições, as dificuldades, o contexto geopolítico, depois de 30 COPs, não dá para não enfrentarmos a raiz do problema. É isso que estamos dispostos a construir. É uma construção com toda a complexidade que existe. O Brasil está dialogando com todos os países, pois a resposta não está com nenhum de nós, mas entre nós, entre 198 países.”

Se isso acontecer, será um dos resultados mais importantes da COP de Belém.

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