Às vésperas da decisão do presidente Lula sobre o Projeto de Licenciamento aprovado no Congresso, conhecido como PL da Devastação, a ministra Marina Silva diz acreditar na possibilidade de negociar com o Congresso uma medida provisória ou um projeto de lei do Executivo que possa substituir os pontos que desestruturam a legislação ambiental e seriam vetados ou alterados por Lula – entre eles os mais polêmicos, como a Licença Ambiental Especial (LAE) e a Licença por Acordo e Compromisso (LAC).
Para Marina, há uma “pedagogia do prejuízo”, que pode levar o Congresso a separar o “trigo”, a boa legislação ambiental, que favorece inclusive novos acordos comerciais – em um momento que o tarifaço de Donald Trump passa a valer para o Brasil – do “joio”, o pedido de anistia para “alguém que atacou a nossa democracia”, alvo da ocupação do Congresso pelos bolsonaristas nos últimos dias.
“A política é um processo vivo e dinâmico. Quem diria que entre aquelas sessões agressivas que tivemos no Congresso Nacional, onde as pessoas ficavam acusando o Ministério do Meio Ambiente de atrapalhar o desenvolvimento do país, de dar prejuízo para os investidores brasileiros, quem diria que ia acontecer dos apoiadores deles mesmos serem os que dão o maior prejuízo? Quem diria que o presidente dos Estados Unidos ia alegar taxação de 50% nos produtos brasileiros usando a questão da legislação ambiental e questões ligadas a desmatamento, exploração de madeira?”, comenta a ministra, que chegou a ser hostilizada por senadores da extrema direita em audiências sobre o PL da Devastação.
Embora reconhecendo o contexto geopolítico desfavorável para negociações multilaterais, a ministra mantém o otimismo também sobre os resultados que poderão ser obtidos na COP-30. Sem citar os Estados Unidos, a ministra se referiu à conferência como “um mutirão de 196 países” que têm que traçar um roteiro para cumprir as decisões tomadas em Dubai, como o limite de 1,5 grau para o aquecimento do planeta, e a transição para o fim do uso dos combustíveis fósseis e do desmatamento.
“Se os negacionistas não se importam com a vida, não se importam com o que diz a ciência, nós temos que mostrar que nos importamos. E um caminho que eu tenho advogado, e vejo já muitas pessoas também nessa mesma direção, é o de que devemos sair da COP 30 com um grupo mandatado para fazer o mapa do caminho para o fim do uso de combustível fóssil, porque nós temos que nos planejar para a mudança”, afirmou.
A ministra também disse que o país vai continuar firme em direção à meta do desmatamento zero, apesar de reconhecer a complexidade trazida ao cenário pelas mudanças climáticas, especialmente pelas queimadas, que prometem elevar as taxas de desmatamento que serão divulgadas durante a COP. E admitiu que o governo está muito preocupado com as questões logísticas, sobretudo de hospedagem, durante a conferência em Belém, o que está monopolizando as discussões e ameaçando deixar algumas delegações fora do evento.
“Uma COP é uma grande oportunidade para o estado e para o país. Quantas mil pessoas virão de outros países e que poderão transformar a cidade, o estado, a região em um endereço turístico, nas mais diferentes modalidades, seja do ponto de vista do turismo de massa, do turismo científico, do turismo social, cultural? São imensas as possibilidades. Agora, se você criar um ambiente completamente desfavorável, isso vai ter um efeito contrário. Nós não podemos pensar em destruir a galinha dos ovos de ouro”, disse, chamando de “extorsão”, os preços cobrados pelos hotéis.
Presidente da COP30 confirmou a alta nos preços de hospedagens em Belém, mas afirmou que o governo federal busca uma solução
Leia a entrevista aqui e assista na íntegra no videocast Bom dia, Fim do Mundo!.
EP 39
Especial: entrevista com a ministra Marina Silva
7 de agosto de 2025
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Podcast entrevista ministra em momento decisivo para o país
Vamos começar com a grande expectativa da semana, que é em torno do veto ou da sanção do presidente Lula sobre o PL do licenciamento ambiental, ou PL da devastação. A senhora mesma já disse que esse projeto decepa a lei ambiental, quebra a coluna vertebral da proteção ambiental no Brasil. Bom, termina nesta sexta (08.08) o prazo para o presidente Lula se manifestar, se posicionar sobre o PL. O que a senhora considera que é imprescindível mudar nesse texto que foi aprovado? Claro, a senhora não vai antecipar a decisão do presidente Lula, mas o que a gente pode esperar que vêm aí nos próximos dias?
De fato, esse PL é uma forma de decepar a estrutura do licenciamento ambiental brasileiro, e se ele não for reparado, o prejuízo é imenso, em várias direções, tanto do ponto de vista da preservação ambiental, quanto do ponto de vista da segurança jurídica, quanto da saúde pública e dos interesses econômicos e sociais do Brasil. Então, olhando para esses mais de 60 artigos, mais de 300 dispositivos, alíneas, parágrafos, incisos e assim por diante, o esforço que está sendo feito é para que a gente, ao identificar tudo aquilo que desestrutura as bases do licenciamento brasileiro, que isso possa ser reparado.
É claro que essa reparação não é feita unilateralmente pelo governo federal, ela é feita em diálogo com o Congresso Nacional, porque, suponhamos que a decisão do presidente seja por uma medida provisória, ela pode ser derrubada pelo Congresso, suponhamos que a decisão do presidente seja de encaminhar um projeto de lei, o Congresso, em última instância, é quem vai aprovar ou não. Então, tudo precisa, na democracia, de um diálogo intenso com o governo, com o Congresso, porque não basta vetar, você tem que colocar algo no lugar. E, quando eu estou falando em veto, estou falando desses pontos todos que ferem a estrutura do licenciamento ambiental brasileiro, um trabalho minucioso que vem sendo feito entre o Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil, com a participação da Secretaria de Relações Institucionais, e que será levado hoje à tarde (06.08) para o presidente Lula, em uma reunião, onde nós estaremos ali oferecendo as possibilidades de reparação. Em seguida, teremos um intenso processo de conversa com relatores, com presidente das Casas, com líderes de bancada, com parlamentares que queiram conversar sobre essas questões.
O Congresso tem se mostrado muito refratário aos temas ambientais, inclusive a gente se solidariza com a senhora, que passou por uma situação muito desagradável naquelas audiências. Então, eu queria saber se a senhora tem esperança de a gente ter um projeto de licenciamento que passe pelo Congresso e continue minimamente aceitável? A senhora acha que tem esse espaço de negociação?
O espaço é dinâmico, a política é um processo vivo e dinâmico. Você veja, quem diria que entre aquelas sessões agressivas que tivemos no Congresso Nacional, onde as pessoas ficavam acusando o Ministério do Meio Ambiente, acusando os ambientalistas de atrapalhar o desenvolvimento do país, de dar prejuízo para os investidores brasileiros, quem diria que ia acontecer dos apoiadores deles mesmos serem os que dão o maior prejuízo? Quem diria que o presidente dos Estados Unidos ia alegar taxação de 50% nos produtos brasileiros, usando a questão da legislação ambiental e questões ligadas a desmatamento, exploração de madeira?
Então, essas questões são dinâmicas. Eu mesma e o ministro Fernando Haddad vamos para Bruxelas, para dialogar com o Parlamento Europeu sobre a questão do acordo da União Europeia com o Mercosul e outras agendas de interesse do Brasil, mostrando que os acordos que nós temos na agenda de clima, de biodiversidade, o acordo que nós temos em relação a questões que são fundamentais para poder viabilizar o acordo União Europeia com o Mercosul e que estaria sendo prejudicado em função desse PL.
Para a ministra, o ‘PL do devastamento’ é uma forma de decepar a estrutura do licenciamento ambiental brasileiro
Então, eu sinto que há uma pedagogia, uma pedagogia inclusive da perplexidade política que esse país entrou, de um país tentando interferir em outro país, na autonomia de seus poderes, utilizando instrumentos de taxação comercial. E o Congresso – eles mesmos que tiveram que ir até os Estados Unidos, eu conversei com o senador Nelsinho Trad e ele dizia que teve que viajar porque ele ficou intensamente envolvido com essas questões do tarifaço do presidente Trump. Por isso falo em uma pedagogia, que eu digo às vezes que é a pedagogia do luto, a pedagogia da dor, e nesse caso é a pedagogia do prejuízo.
Ontem mesmo eu vi no Conselhão uma jovem empreendedora de fruticultura dizendo que eles precisam que haja uma negociação que não permita que eles sejam completamente inviabilizados, porque a fruta tem um tempo, ela vai amadurecer e vai se perder aquela safra. Então quem é que está dando prejuízo? Essa visão ideológica que não considera questões de natureza climática, não considera questões de saúde pública, não considera que as ideologias associadas ao negacionismo são o maior prejuízo, e não a proteção do meio ambiente.
Mas a gente vê que o Congresso está especialmente incendiário nesse momento, ministra. Toda a manifestação da direita, ocupando o plenário, essa iminência da prisão do Bolsonaro no julgamento do processo do golpe. A senhora acha que esse termômetro elevado vai impactar negociações que interessam a todos nós, como as negociações sobre a PL da devastação?
Eu acho que há uma disposição de fazer essa separação do joio e do trigo, e eu vou chamar de trigo uma boa legislação ambiental e vou chamar de joio querer anistia para alguém que atacou a nossa democracia e patrocinou tudo isso que aconteceu no dia 8 [de janeiro de 2023] e que agora as investigações estão mostrando um forte envolvimento dessas lideranças políticas e ainda mais articulando com outro país uma interferência política para salvar a sua própria pele.
Eu tenho dito que geralmente a gente vê os líderes no mundo, obviamente que não tem nem escala de comparação, vou citar figuras como Gandhi, como Mandela, como Luther King, sacrificando-se em benefício de seu país, de suas sociedades. E aqui no Brasil a gente vê essas caricaturas de liderança política sacrificando os interesses sociais, econômicos, ambientais do nosso país em função de salvarem a sua própria pele, articulando para que haja uma interferência na nossa soberania e ainda vem vestir verde e amarelo e dizer que são patriotas.
Eu acho que essa pedagogia está posta e uma parte do Congresso está fazendo essa separação porque agora as pessoas estão sentindo o prejuízo. A pessoa olha e vê, bem, eu antes era um industrial e não estava com o risco de 50% em cima dos meus produtos, eu era um fruticultor que também não tinha esse medo, então acho que tem sim um espaço para o diálogo, independente de partido político, até porque a disposição do governo, a nossa disposição é sempre de dialogar para que essas reparações que estão sendo pensadas – e são reparações estratégicas, estruturais – preservem essa coluna vertebral a que eu tenho me referido o tempo todo.
Ministra, um dos pontos mais críticos do PL do licenciamento é aquele que permite a licença ambiental especial, que foi colocada ali por uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e que permite que empreendimentos considerados estratégicos passem por um licenciamento muito rápido, em apenas uma fase. Nessa proposta se viu uma possibilidade, por exemplo, de acelerar o licenciamento de novos poços de petróleo na Foz do Amazonas, em que o senador Alcolumbre tem interesse. Eu queria saber especificamente sobre esse item: como tentar remediar esse projeto?
Bem, em relação à figura da LAE que foi proposta, é claro que, por tudo que a gente ouve e as entrevistas que são dadas e reiteradas, há uma expectativa em relação a alguns empreendimentos com complexidades ambientais muito grandes, como é o caso, por exemplo, da exploração de petróleo na Foz do Amazonas e, até mesmo, o caso da BR 319. E todas essas questões que são novas e que têm subtrações de competências já estabelecidas historicamente do processo de licenciamento estão sendo vistas com total atenção, não só esse artigo, mas outros, também, em relação à Licença por Adesão e Compromisso, e outros dispositivos.
Nós precisamos, em relação à LAE, talvez, fazer uma separação. Uma coisa é você ter um instrumento que possa dizer que aquele projeto é prioritário, que ele é estratégico. Isso acontece sem a figura da LAE. Quando o presidente Lula resolveu fazer a transposição de São Francisco pelo risco de desabastecimento de algumas cidades foi uma decisão em função de uma necessidade estratégica. Quando se teve que fazer um esforço enorme para as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau em função da ameaça de apagão foi estabelecido que aquele processo era prioritário. Agora, ao que, na minha opinião, não se aplica? A questão de não passar pelas fases do licenciamento: a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação. Porque o fato do projeto ser estratégico não muda a realidade da natureza. Se você vai impactar um determinado ecossistema, isso não muda em função da nossa necessidade, seja por energia, seja por alimentos ou qualquer que seja o benefício para nós. A gente tem que ganhar velocidade, a gente até pode fazer a prioridade, mas sem diminuir as regras e os procedimentos que precisam ser adequadamente realizados. É isso que nós temos dito o tempo todo e é isso que, com certeza, tem toda a chance de judicializar qualquer empreendimento de alto impacto que não passe pelos procedimentos, e os regramentos estabelecidos.
Como eu sempre digo para vocês, o Ministério e o Ibama não são eles que tomam decisões em relação a explorar ou não petróleo, tanto é que tem exploração em várias outras bacias, mas nós nos atemos aos aspectos da viabilidade ambiental, da dinâmica do licenciamento em conformidade com os regramentos legais. E o Ibama faz isso em qualquer que seja o empreendimento quando é da nossa competência, o licenciamento, pelo menos nos governos do presidente Lula. E, obviamente, que a Margem Equatorial tem um outro procedimento, nós temos ali o pedido para fazer a prospecção, está em fase de licenciamento. O Ibama vai se pronunciar adequadamente nas fases necessárias do licenciamento, que está sendo avaliado, mas nós já tivemos ali um leilão para 19 blocos para exploração de petróleo. Aí tem uma complexidade, por isso que eu tenho insistido que é fundamental fazer avaliação ambiental para a área sedimentar, porque a Foz do Amazonas é uma bacia que não tem estudos, ela é muito pouco estudada, praticamente não se tem informações na medida e com a profundidade que aquela região precisa.
Qualquer que seja o empreendimento que vai ser feito, na modalidade que for feito, é preciso que eles sejam lastreados de estudos, no caso das BRs é avaliação ambiental estratégica, no caso de exploração de petróleo é avaliação ambiental para a área sedimentar, para indicações de viabilidade ambiental ou não dos empreendimentos.
Está todo mundo ansioso com essa COP em Belém, a gente sabe como ela é importante para o planeta e, em especial, para o Brasil. Vou ter que perguntar para a senhora, porque isso acabou se tornando um tema, que é a questão da infraestrutura e das hospedagens em Belém. Vendo que isso tomou espaço de outros temas que seriam mais importantes, a senhora está preocupada com isso ou se acha que tem um exagero de críticas a Belém?
Bem, nós temos dois trilhos da COP e nós temos trabalhado intensamente neles. O trilho de infraestrutura, segurança, logística é coordenado pela Casa Civil, tem até uma secretaria extraordinária só para esses investimentos da COP 30 e há um esforço muito grande do governo federal para dar as respostas. E tem o trilho da parte de mobilização, negociação e conteúdo. Eu me insiro na parte de mobilização, negociação e conteúdo da COP 30, juntamente com o Ministério de Relações Exteriores e a Presidência da COP, mas obviamente que todos nós trabalhamos conjuntamente no processo de retroalimentação entre o acolhimento das pessoas que virão para a COP 30 e os resultados que nós esperamos possam ser alcançados nesse momento tão desafiador.
Então, no caso da infraestrutura, da hospedagem, das pessoas, é motivo, sim, de preocupação do governo federal. Tanto é que tem sido feito um investimento enorme para criar alternativas para que possa acontecer esse acolhimento, inclusive com estratégias para que o volume de pessoas que vão estar circulando em Belém possa ser adequadamente distribuído. Por isso que a cúpula dos chefes de Estado vai acontecer dois dias antes do início da COP 30.Tem todo um trabalho que vem sendo feito.
Apesar da pressão de alguns países sobre os altos preços da hospedagem, embaixador afirma que a COP30 continua em Belém
Agora, tem uma dificuldade imensa em relação aos preços, porque não foi uma questão como acontece em outras COP. Você, Giovana, já cobriu muitas COP, sabe como é esse processo. Geralmente, quando você tem uma COP, acontece de dobrar o valor das diárias, no máximo triplicar. Isso é um levantamento, uma média que se fez. Agora, no caso de Belém, tem situações de aumentar 15 vezes, 10 vezes os preços. Aí é o absurdo dos absurdos. Isso passa a ser uma espécie de extorsão e o governo brasileiro está trabalhando junto às autoridades do estado para que essa situação não prejudique a necessária e legítima participação dos delegados, sobretudo de países em desenvolvimento, de países em situação de vulnerabilidade, porque não tem recursos para cobrir esses custos. Mas o presidente da COP, o ministro da Casa Civil, todos nós temos trabalhado nessa direção. É sim um motivo de preocupação, tanto é que temos nos debruçado sobre ele incansavelmente.
Agora, uma COP é uma grande oportunidade para o estado, para um país, porque você faz investimentos na parte de infraestrutura que ficarão como legado. Uma rede hoteleira, por exemplo, toda a parte de infraestrutura logística, de transporte, para que você se torne um endereço mais permanente de visitação. Quantas mil pessoas virão de outros países e que poderão transformar a cidade, o estado, a região em um endereço turístico, nas mais diferentes modalidades, seja do ponto de vista do turismo normal, do turismo de massa, seja do ponto de vista do turismo científico, do turismo social, cultural? São imensas as possibilidades. Agora, se você criar um ambiente completamente desfavorável, isso vai ter um efeito contrário. Nós não podemos pensar em destruir a galinha dos ovos de ouro.
A oportunidade é você entrar para o mapa do mundo, porque a COP passa a ser a COP de Belém, como é a COP de Paris, como é a COP de Copenhague, como é a Rio 92. Veja o tamanho disso. O que você quer passar? Você quer passar uma lembrança boa, ou você quer passar uma das piores referências que é o que está sendo feito com essa atitude? É por isso que o apelo é que haja uma situação de consciência de que você não pode destruir as possibilidades de anos e anos para um Estado promissor, como é o caso do Pará, de termos um endereço turístico nas várias modalidades a que me referi, em função de achar que a COP vai ser um lugar para se fazer investimentos em termos de tirar lucros que são fora daquilo que a ética comercial estabelece.
Agora falando mais especificamente sobre o seu papel na COP e como ministra do Brasil. Uma das coisas que mais se coloca das expectativas do Brasil é mostrar o que é a Amazônia, a importância que ela tem para a regulação do clima e também para as nossas próprias emissões, tanto é que a gente tem essa meta de zerar o desmatamento da Amazônia. A senhora e o governo conseguiram avançar bem nesse sentido nos dois primeiros anos, a gente teve uma queda importante, mas há o risco de fechar esse ano com uma alta do desmatamento. A pergunta é: se chegar ao desmatamento zero, essa meta tão importante do Brasil, começa a se mostrar mais difícil do que o governo estava imaginando, até por conta das queimadas, talvez zerar o desmatamento não seja possível?
Bem, primeiro que a meta de zerar o desmatamento, independente da dificuldade que a gente possa enfrentar, ela é necessária. E o Brasil é o único país do mundo que já tem a meta de zerar desmatamento até 2030 e, de fato, nós conseguimos avanços significativos: quando você olha, comparando julho de 2024 com julho de 2025, nós temos uma redução no Brasil inteiro de 61% do desmatamento. Nós vamos entrar no período quente e no período difícil para as queimadas a partir de agora, mas no ano passado, nesse mesmo momento, a gente já estava vivendo uma situação avassaladora e, quando eu olho para o Brasil inteiro, comparando julho de 2024 com julho de 2025, eu tenho já uma queda nos incêndios de 61%. No caso da Amazônia, a queda é de 89%, mas tem um fenômeno que você colocou muito bem, a questão da mudança do clima.
Pela primeira vez, nós temos mais desmatamento por incêndio do que em função de corte raso e isso é motivo de preocupação, mas não é para desistir da meta, é para ajustar as políticas, tomar as medidas e poder fazer esse enfrentamento. O fato de você ter uma doença que depois você descobre que ela é mais grave do que você imaginava, não te faz abandonar o diagnóstico e, muito menos, de aplicar o tratamento necessário. Nosso compromisso de desmatamento zero não é nem função da COP, é um compromisso de campanha do presidente Lula, reiterado durante a transição no programa de governo e na rearticulação do plano de prevenção e controle do desmatamento, não só para a Amazônia, mas para todos os biomas brasileiros. Então, o nosso compromisso não é só porque nós queremos ter uma boa foto na COP, é porque nós queremos ter uma boa foto no planeta porque nós somos, inclusive, um país altamente vulnerável. A Amazônia já está vivendo um processo de perda de umidade assustador. Os incêndios do ano passado foram maiores dentro de floresta primária do que os incêndios que acontecem normalmente. Cerca de 51% desses incêndios, eles aconteceram em situações completamente adversas, entrando em floresta primária, coisa que a média era algo em torno de 4% a, no máximo, 10%.
Inclusive, a senhora chegou a falar muito no ano passado de que os incêndios eram criminosos. Queria saber se isso avançou um pouco, se vocês conseguiram identificar quem são esses criminosos e se estão conseguindo combater isso. A senhora falou que tem uma queda dos incêndios desde o ano passado para cá, mas eu até entendo que é muito mais pela questão climática do que, talvez, por uma ação efetiva de controle. Queria entender isso também.
Não. Tem a questão climática, sem sombra de dúvida, mas tem ação de controle. Aumentar a frota em 800 veículos, aumentar para cerca de 4.300 brigadistas, ter 11 aviões que aumentam em 75% a nossa capacidade de movimentar as brigadas, ter equipamentos para todos os brigadistas em condições adequadas, todo o trabalho que vem sendo feito na sala de situação, ter reforçado o corpo de bombeiro, disponibilizando recursos do fundo Amazônia para todos os estados da Amazônia, ter uma ação de aumento da nossa capacidade de fiscalização, de controle do IBAMA, do ICMBio, o trabalho com a Polícia Federal, com a PRF, com todos os órgãos de governo. Isso faz a diferença, não é só uma questão em função do clima. O clima tem um peso importante, sim, porque em condições totalmente adversas, como está acontecendo agora em Portugal, não há tecnologia que resolva, como aconteceu no Canadá, como aconteceu nos Estados Unidos.
Mas, com certeza, esse ano nós intensificamos ainda mais a nossa capacidade de resposta. E essa capacidade de resposta e de pronta ação, independe até da questão climática, porque muitas vezes essas variáveis podem mudar e a gente está preparado. Por exemplo, a portaria de risco de incêndio é lançada sempre em fevereiro, e ela foi feita. Já tem vários estados que estão decretando a proibição do fogo, a lei de manejo integrado do fogo. Temos toda a estruturação que está sendo feita em reuniões constantes com os estados, com os municípios, agora mesmo, o secretário André esteve lá no estado do Amazonas com mais de 75% dos secretários de meio ambiente recebendo treinamento e informação para agir de forma integrada, independente de ideologia de partido político.
Mas, como você disse, a preocupação, ela está posta, e o compromisso permanece, independentemente da COP ou da não COP. Nós queremos ter um bom resultado, obviamente. Quem está se dispondo a sediar a COP nesse momento tão desafiador de emergência climática, tem que estar disposto a liderar pelo exemplo. E temos ajustado as medidas, por exemplo, no caso do desmatamento – nós temos os dados mostrando que, pela primeira vez, incêndio está superando o desmatamento por corte raso. Nós somos bastante experientes no combate ao corte raso, você mesma falou dos resultados. Agora, em termos de situações de incêndios agravados pela emergência climática, acho que nenhum país do mundo tem essa capacidade de resposta à altura, infelizmente. Por isso que são necessárias as ações para enfrentar os problemas naquilo que é a sua causa, que é evitar a emissão de CO2 e que o planeta continue aquecendo.
Ministra, a gente tem essa esperança do que essa COP pode trazer, a senhora mesmo falou da gente sair da conferência com um mapa para o fim do uso dos combustíveis fósseis, para o fim do desmatamento, um financiamento de 1,3 trilhão de dólares. Mas neste momento em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem provocado separação entre os países, a gente viu que não teve nem muita reação a essa ingerência política de Trump no Brasil, a senhora acha que essa quebra de solidariedade pode se refletir na COP ou tem como costurar um outro espírito entre os países que leve à realização dessas metas?
O embaixador Corrêa do Lago foi muito feliz quando disse que essa COP é a COP do mutirão. A ideia de um mutirão de 196 países que terão que trabalhar juntos em um dos maiores desafios deste século, que é fazer o enfrentamento da mudança do clima, depois dos 10 anos do Acordo de Paris, depois da COP que nasceu no Rio de Janeiro, a COP do Clima, voltar para o Brasil em plena Amazônia, depois dela ter sido sediada por quatro países em desenvolvimento, acho que três deles países dos BRICS, isso tudo é muito desafiador. Então a COP 30 vai precisar de dar respostas para questões que são muito difíceis e complexas, de decisões que já foram tomadas, essas, por exemplo de triplicar renovável, duplicar a eficiência energética, não ultrapassar o 1,5 grau de temperatura da Terra e, ao mesmo tempo a transição para o fim de combustível fóssil e de desmatamento.
Como esse contexto geopolítico desfavorece esse encaminhamento, que já é complexo, com certeza ele é muito prejudicial, primeiro porque as guerras minam a solidariedade, minam as parcerias, criam situações de desencontros e nós temos além das guerras bélicas, uma guerra tarifária que está sendo feita pela maior potência econômica e bélica do mundo em todas as direções. Nesse momento o Brasil foi sem dúvida injustamente o país mais prejudicado com uma taxação de 50%, isso não foi feito em relação a nenhum país, mas o México também em cerca de 30%, a União Europeia em 15%, a China, agora a Índia, todos sendo taxados porque um governo, por ser uma potência bélica e uma potência econômica, acha que pode fazer interferência na soberania dos países. Mas se esse contexto é ruim, por outro lado, ele cria um senso de responsabilidade em relação àquilo que é essencial. Se os negacionistas não se importam com a vida, se os negacionistas não se importam com o que diz a ciência, nós temos que mostrar que nos importamos e nesse sentido é um esforço muito grande, por isso que tem os círculos de mobilização, por isso que tem os enviados especiais, por isso que temos os campeões da COP e temos inclusive um Balanço Ético Global que está sendo feito para mobilizar cada continente na direção de alcançarmos os resultados daquilo que nós mesmos já decidimos.
E um caminho que eu tenho advogado, e vejo já muitas pessoas também nessa mesma direção, é o de que devemos sair da COP 30 com um grupo mandatado para fazer o mapa do caminho para o fim do uso de combustível fóssil, porque nós temos que nos planejar para a mudança. A pior coisa que tem é você não se planejar para a mudança e ser mudado abruptamente pela realidade – o Brasil só pode dizer que está buscando zerar o desmatamento em 2030, porque há 20 anos atrás nós começamos, nós nos planejamos para isso. Então, países produtores, países consumidores de energia oriunda de carvão, de petróleo e gás, têm que fazer uma transição justa e planejada para o fim do uso de combustível fóssil. A decisão mais difícil foi tomada em Dubai, que foi a de não ultrapassar o 1,5 grau de aumento de temperatura, triplicar o caráter renovável, duplicar a eficiência energética, fazer transição para o fim do uso de combustível fóssil, perdas e danos e a questão de viabilizar os meios de implementação. Então agora temos que mandatar um grupo para o que nós queremos como indicadores de que de fato estamos alcançando os objetivos para o qual nós nos planejamos, que é o objetivo de zerar emissões em 2050, e a melhor forma de fazer isso é estabelecendo esse mapa do caminho.