Se no plenário da Câmara dos Deputados quem domina é o Centrão, com 300 dos 513 membros da Casa, nas redes sociais é o discurso da extrema direita que prevalece. Parlamentares alinhados a pautas conservadoras e antidemocráticas estão no topo das interações do Instagram, plataforma mais usada pelos brasileiros, segundo levantamento da Panorama Mobile Time/Opinion Box. No entanto, a força no ambiente digital não reflete a produtividade legislativa: no ranking dos 20 deputados federais com maior engajamento no Instagram em 2025, metade não foi autor principal de nenhum projeto de lei aprovado e outros três aprovaram somente um projeto simbólico desde 2023.
Os dados coletados pela Zeeng, em parceria com o MonitoraBR, utilizaram o volume de curtidas e comentários de cada publicação feita entre 1º de janeiro e 1º de dezembro de 2025 para chegar à média de engajamento dos parlamentares. Entre os listados no ranking, onze são do campo da extrema direita e integram os partidos PL, Novo e PSD. Três deputados têm postura ideológica vinculada à esquerda e se elegeram pelo Psol e Avante. Os integrantes da direita e centro somam seis congressistas de três legendas: PP, União Brasil e MDB.
Por que isso importa?
- Atuação performática para as redes sociais tem garantido votos, mas não necessariamente vem se traduzindo em resultados práticos na atividade legislativa para a qual os parlamentares são eleitos.
A Agência Pública cruzou os dados de engajamento com a relação de projetos de lei e projetos de lei complementar com aprovação final em plenário e participação dos parlamentares para verificar a produtividade dos deputados. A análise baseou-se no regimento interno da Câmara dos Deputados, que define como autor, em termos de prerrogativas em plenário, o primeiro signatário do texto. Ou seja, a primeira assinatura do projeto protocolado. Também foram considerados autores principais os congressistas descritos nominalmente no preâmbulo do documento apresentado.
Quatro dos dez parlamentares que não tiveram nenhum projeto aprovado nos últimos três anos também não chegaram a ter coautoria, participação secundária em textos aprovados. São eles: a deputada Carla Zambelli (PL-SP), Maurício Marcon (PL-RS), Guilherme Derrite (PP-SP) e Fábio Teruel (MDB-SP). A Pública procurou os gabinetes dos parlamentares para questionar suas estratégias e prioridades no Congresso Nacional.
Somente o vice-líder da oposição na Câmara, Maurício Marcon, respondeu à solicitação. O deputado se classifica como antipetista e católico apostólico romano. Elegeu-se pelo Podemos, mas se filiou ao Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 8 de dezembro. Em nota, ele afirmou que “dificilmente proposições são aprovadas com autoria única” e que isso depende de “múltiplos fatores, como uma maior afinidade com determinado tema e/ou com a Presidência da Casa”. Também reforçou autoria no PL 1.573/24, apensado ao PL 651/23, que agrava penas a crimes cometidos durante calamidade pública e foi aprovado em dezembro de 2024.
Zambelli está presa em Roma, na Itália, desde julho, após ser condenada a 10 anos de prisão por invadir e inserir documentos falsos no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em junho de 2025, o STF determinou o bloqueio dos perfis da deputada nas redes sociais por disseminação de discursos de ódio e desinformação, mas revogou a decisão em setembro. Derrite se licenciou do mandato para assumir a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo até novembro de 2025, quando voltou à Câmara para relatar o projeto Antifacção. Turel chama atenção nas redes com vídeos direcionados à autoestima e à fé cristã e tem poucas publicações voltadas a disputas políticas.
A tramitação de um projeto de lei é iniciada nas comissões temáticas da Câmara, onde o texto é avaliado antes de ser encaminhado ao plenário, se houver consenso do colégio de líderes ou aval do presidente da Casa para que o texto seja pautado em alguma sessão. Não há prazo regimental específico para a apreciação. Quando a urgência de uma proposta é aprovada, a votação é acelerada e, muitas vezes, as análises e emissões de pareceres das comissões são dispensadas.
Do simbólico à carona nos projetos dos colegas
Seis deputados federais que não figuram como autores principais em nenhum projeto desde 2023 assinam como coautores em projetos de lei já aprovados. Consultores legislativos ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato avaliam a prática como comum no Congresso, e que esta seria uma forma de “pegar carona” na iniciativa de aliados na Casa. Propostas, a exemplo do PL 1564/24, de autoria do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), chegam a somar mais de 60 coautores.
Os parlamentares que só tiveram participação secundária em projetos aprovados são: André Fernandes (PL-CE), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Sargento Fahur (PSD-PR), Gustavo Gayer (PL-GO), Mário Frias (PL) e Delegado Palumbo (MDB-SP). Fahur e Palumbo são de legendas com posicionamentos mais ao centro, mas defendem veemente pautas bolsonaristas, a exemplo do sistema de Segurança Pública de Dissuasão, ideia de intensidade na repressão militar para desencorajar a prática de crimes. Os seis foram procurados por e-mail pela Pública, mas não responderam até a publicação desta reportagem. Este espaço será atualizado em caso de manifestação.
Três deputados federais entre os 20 com mais engajamento no Instagram conseguiram aprovar apenas um projeto neste mandato como autores principais, mas se tratavam de iniciativas de valor simbólico, ou seja, propostas que visam transmitir uma mensagem, mas não criam regras práticas, sanções ou alocam recursos, o que se traduz em uma tramitação mais simples na Casa. São eles: Delegado Bruno Lima (PP-SP), Guilherme Boulos (Psol-SP) e Bia Kicis (PL-DF). Os três também não se pronunciaram ao serem procurados para comentário.
Bruno Lima teve aprovado o PL 293/23, que institui a Semana Nacional de Conscientização sobre relação entre maus-tratos aos animais e a violência doméstica. A proposta compreende debates, mobilizações e palestras nos meses de agosto. Boulos, que se licenciou do mandato para assumir a Secretária-Geral da Presidência, aprovou, enquanto deputado federal, o PL 4.035/23, que institui agosto como mês de combate às desigualdades sociais. Boulos foi autor do PL 2.530/23, para combater golpes em empréstimos consignados, que tramitou em conjunto com o PL 2.131/07, do ex-deputado Edgar Moury, que acabou aprovado em agosto de 2023. Já o projeto de Kicis, o PL 2.626/23, instituiu o ano nacional do escritor mineiro Fernando Sabino, que o Senado alterou de 2023, como proposto pela deputada, para 2024, quando a morte do autor completou 20 anos.
Atuação e poder de negociação ainda independem de “likes”
Em meio ao cenário polarizado do Congresso Nacional, os líderes de bloco, federação e partido têm mais poder e moedas de troca para avançar em propostas legislativas independentemente do engajamento nas redes sociais, explicou o doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Insper e pesquisador de processo legislativo Luiz Fernando Estevez.
“Existem alguns parlamentares que, ainda que você consiga enquadrá-los de um lado ou de outro [ideológico], fazem uma transição maior. Geralmente são esses parlamentares que, de fato, têm uma representação partidária importante. São parlamentares que acabam ocupando posições de destaque dentro da casa legislativa”, frisou.
Para o pesquisador, há diferença expressiva entre o que é divulgado e o que de fato é realizado. “Há dez, quinze anos, era muito comum que parlamentares recebessem prêmios por uma atuação legislativa presente; esse era o sinônimo de bom parlamentar que tínhamos, era o sujeito que se engajava em muitas discussões e apresentava muitos projetos [aprovados]. Houve uma certa mudança nos últimos anos, pois hoje não necessariamente o parlamentar que mais aparece nas redes sociais, na imprensa, é quem se engaja em muitas dessas discussões.”
