Um “absoluto escárnio” e “piada de mau gosto”. É assim que o advogado fundador e coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, classifica a manobra da Câmara dos Deputados de emplacar o nome PEC das Prerrogativas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21. Ela visa retomar a autorização da Câmara e do Senado quando o Supremo Tribunal Federal (STF) tentar abrir um processo criminal contra deputados federais e senadores. Por ter o efeito de proteger os políticos, na prática, o projeto foi apelidado de PEC da Blindagem pela imprensa.
“O Congresso Nacional está virando as costas para a sociedade. Está em dívida com a sociedade brasileira”, diz Carvalho sobre a PEC. “O que eles estão querendo não são prerrogativas, são privilégios. Estão buscando um indulto geral para cometer ilícitos, para distinguir um grupo de cidadãos de outros”, avalia.
Marco Aurélio de Carvalho é especialista em Direito Público e fundou o grupo de advogados Prerrogativas
O grupo Prerrogativas reúne cerca de 200 advogados e acadêmicos listados entre os colaboradores no site. O coletivo se notabilizou na última década pelas denúncias contra as ilegalidades cometidas pela Operação Lava Jato, pelas posições progressistas, pelo relacionamento próximo com o governo Lula e pela defesa da democracia.
O advogado explica que prerrogativas são direitos garantidos, que todos os cidadãos têm. “Como o sagrado direito de defesa. As profissões também têm prerrogativas. Por exemplo, no caso da advocacia, do exercício regular da profissão, o direito à legalidade, à liberdade, de acesso aos autos”, exemplifica.
Para ele, o que está sendo estudado pelo Congresso e já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, “é completamente diferente”. “Eles querem se blindar da Justiça”, alega Carvalho.
“Espero que a sociedade dê uma resposta à altura a esse posicionamento do Congresso, que é uma piada de mau gosto. Espero que a sociedade reaja nas urnas, nas eleições de 2026. É uma afronta à democracia”.
Projeto para Anistia pode seguir o mesmo caminho
A PEC da blindagem, ou das Prerrogativas, como querem os deputados, está ligada à tentativa do Congresso Nacional de anistiar os condenados por golpe de Estado, entre eles o ex-presidente, Jair Bolsonaro. Uma negociação entre o presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB) e os líderes dos partidos garantiria que a aprovação na Câmara da PEC da blindagem seria o suficiente para arrefecer os ânimos pela Anistia. Não foi isso que aconteceu, no entanto. A urgência do projeto da Anistia foi aprovada na quarta-feira, 17 de setembro.
Nesta quinta, 18 de setembro, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) foi escolhido por Motta para relator do projeto, que deve deixar de ser chamado de Anistia.
“Ampla, geral e irrestrita é impossível. Essa discussão já foi superada ontem, quando o Hugo [Motta] teve uma reunião de mais de três horas com o pessoal do PL. Acho que nós vamos ter que fazer uma coisa pelo meio. Talvez não agrade nem a extrema-direita nem a extrema-esquerda, mas que agrade a maioria da Câmara. Você viu que nós não estamos mais falando de anistia”, disse o deputado à rádio CBN.
Para Marco Aurélio de Carvalho, não adianta mudar o nome. “Pode chamar do que quiser. Não existe anistia light”, avalia o advogado. Carvalho lembra que na história do Brasil foram 15 episódios de tentativa de golpes contra o sistema instaurado.
Ele considera a decisão do STF de punir os envolvidos no golpe do Estado histórica. “Temos um caráter pedagógico na decisão. Quando um cidadão pensar em dar um golpe, ele terá um exemplo, um caso em que as pessoas que fizeram o mesmo foram punidas”, avalia.
“Se por um lado é um momento histórico importante de reafirmação da nossa vocação [do Brasil] para ser uma democracia constitucional, por outro lado, o Legislativo toma essa atitude irresponsável e inoportuna como essa PEC e proposta de Anistia. São duas faces da mesma moeda”, conclui.