Mulher perde duas filhas com doença rara e consegue salvar a terceira

Quando Rafaela de Almeida Dourado Oliveira, de 33 anos, segurou a primeira filha nos braços, não imaginava que viveria uma das experiências mais dolorosas de sua vida.

Em 2013, Mel nasceu saudável, mas aos seis meses apresentou sinais de que algo não estava bem. Em menos de três dias, Rafaela viu a bebê partir sem que os médicos conseguissem explicar o que havia acontecido.

“Os rins dela pararam de funcionar e ninguém sabia o motivo. O laudo apontou falência múltipla de órgãos. Tentaram hemodiálise, mas ela não resistiu. Tudo aconteceu muito rápido”, lembra.

A segunda perda

Um ano depois, Rafaela, que era estudante de enfermagem, engravidou novamente. A segunda filha, Gabriela, nasceu saudável e se desenvolvia bem até completar um ano e dois meses. De repente, os sintomas voltaram a assombrar a família.

“Ela acordou inchada, com manchas roxas no corpo e sem urinar. Levei imediatamente ao hospital, mas já chegou em estado gravíssimo”, conta.

No Hospital da Luz, em São Paulo, uma médica que havia acabado de voltar dos Estados Unidos reconheceu os sinais da síndrome hemolítica urêmica atípica (SHUa), uma doença rara e grave que causa a formação de microcoágulos e leva à falência de múltiplos órgãos.

A nefrologista e pediatra Maria Helena Vaisbich, coordenadora do Comitê de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), explica que a SHUa ocorre por uma falha no sistema de defesa do corpo.

“O organismo passa a atacar as próprias células, o que leva à formação de coágulos dentro dos vasos sanguíneos e compromete rins, cérebro, coração e pulmões”, afirma.

Segundo a médica, os sintomas surgem de forma súbita. “A criança pode apresentar palidez intensa, anemia, manchas arroxeadas na pele, pouca urina e, muitas vezes, insuficiência renal que exige diálise”, detalha.

A criança foi encaminhada para outro hospital, onde os exames confirmaram a suspeita, mas o resultado levou quatro meses para sair. Nesse período, o estado de Gabriela se agravou rapidamente.

“Ela teve dois AVCs, paradas cardíacas, entrou em hemodiálise e ficou cada vez mais debilitada. Quando conseguimos o remédio, ela já estava muito fraca. Tomou apenas uma dose. Depois de nove meses lutando na UTI, ela faleceu”, recorda, emocionada, a mãe.

Terceira gravidez

Após a morte de Gabriela, Rafaela se separou do marido e passou anos tentando entender o que aconteceu. “Acreditei que o problema vinha dele. Só descobri que o gene era meu anos depois”, diz.

Em 2021, já em outro relacionamento, ela engravidou novamente. Giovana nasceu saudável, e a mãe acreditou que, dessa vez, tudo seria diferente. Mas, no Natal de 2022, os sintomas voltaram a aparecer. “Naquele momento, eu já sabia. Os médicos insistiam que era anemia ferropriva, mas eu tinha certeza que era SHUa”, conta.

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Diagnóstico rápido salvou a filha

Rafaela entrou em contato com um grupo de famílias afetadas pela SHUa e recebeu a indicação de uma especialista em São Paulo. A médica, ao ouvir a história e ver os sintomas, iniciou o tratamento imediatamente, antes mesmo do resultado genético.

Maria Helena explica que essa conduta é essencial para salvar vidas. “Mesmo sendo uma doença de origem genética na maioria dos casos, não é preciso esperar o resultado do exame para começar o tratamento. Cada hora de atraso pode agravar as lesões nos órgãos”, diz.

A medicação foi obtida por meio de doação, o que permitiu que Giovana começasse o tratamento sem demora. O exame confirmou que Rafaela é portadora do gene da doença, e Giovana nasceu com a síndrome em atividade. Dessa vez, porém, o tratamento começou a tempo. “Conseguimos agir rápido e isso salvou a vida dela”, afirma.

Hoje, Giovana tem quatro anos, leva uma vida normal e faz uso do medicamento ravulizumabe, aplicado a cada dois meses. Cada dose custa cerca de R$ 30 mil, e são necessários sete frascos por aplicação, de acordo com o peso da criança.

“Antes, a maioria evoluía para insuficiência renal ou óbito. Hoje, com o bloqueio do mecanismo que desencadeia os sintomas, as crianças podem ter uma vida normal e sem sequelas”, ressalta a nefrologista.

Alerta para outras famílias

Com a experiência dolorosa de perder duas filhas e o alívio de ver a terceira se recuperar, Rafaela se tornou uma voz de alerta para outras famílias que enfrentam a mesma condição. “Minha filha é a prova de que o diagnóstico precoce e o tratamento certo podem salvar vidas. Ainda tem muita gente que não tem essa chance”, afirma.

A médica Maria Helena reforça que o reconhecimento rápido dos sintomas é fundamental. “Os primeiros sinais podem ser confundidos com doenças comuns, mas palidez repentina, urina escura, cansaço extremo e diarreia com sangue precisam ser investigados imediatamente”, aponta.

Além de Giovana, Rafaela descobriu que outros parentes também foram vítimas da doença. “Uma prima e um tio morreram sem diagnóstico. A SHUa é hereditária e devastadora, mas pode ser controlada se descoberta a tempo”, reforça.

Para ela, cada consulta e cada dose do medicamento representam uma vitória. “Sigo vivendo um dia de cada vez, deixando nas mãos de Deus, mas com a certeza de que valeu lutar. Giovana é o meu milagre”, finaliza.

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