A obesidade já afeta mais de 1 milhão de pessoas no mundo e é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e de caráter recidivante.
Diante do avanço da condição— responsável por 3,7 milhões de mortes relacionadas a doenças crônicas em 2024 —, a entidade publicou nesta segunda-feira (1°/12), uma nova diretriz global sobre o uso de medicamentos agonistas de GLP-1 no tratamento da obesidade em adultos.
O documento foi divulgado como Comunicação Especial na revista científica The Journal of the American Medical Association (JAMA) e apresenta duas recomendações condicionais que devem orientar a prática clínica e políticas públicas.
No texto, a OMS reforça que o manejo da obesidade exige cuidado contínuo, diagnóstico precoce e integração entre abordagem comportamental, terapias médicas, intervenções nutricionais e cirúrgicas quando necessário. O foco, segundo a organização, é construir um modelo de atenção centrado na pessoa, não discriminatório e acessível.
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O que muda com as novas recomendações da OMS
A primeira recomendação estabelece que adultos com obesidade podem usar terapias a longo prazo com agonistas de GLP-1, como semaglutida, tirzepatida e liraglutida, para controle de peso.
A orientação é considerada condicional porque, embora a eficácia seja apoiada por evidências clínicas de certeza moderada, ainda há limitações relacionadas a dados de longo prazo, custos elevados, preparo dos sistemas de saúde e impacto na equidade.
A segunda recomendação determina que o uso desses medicamentos seja sempre acompanhado de terapia comportamental intensiva, com metas estruturadas de atividade física e alimentação, restrição calórica, sessões regulares de aconselhamento e avaliação contínua do progresso. Embora fundamentada em evidências de baixa certeza, a OMS afirma que essa combinação potencializa e sustenta os benefícios médicos dos GLP-1.
Por que os GLP-1 entram na diretriz
Originalmente criados para tratar diabetes tipo 2, os agonistas de GLP-1 passaram a ganhar destaque a partir de 2015, quando seus efeitos sobre apetite, saciedade e esvaziamento gástrico levaram à aprovação da liraglutida para controle crônico do peso.
Desde então, a classe se expandiu: 12 medicamentos já estão aprovados globalmente para diabetes e/ou obesidade, e mais de 40 moléculas estão em desenvolvimento, inclusive versões orais.
Estudos recentes mostram que os GLP-1 podem reduzir eventos cardiovasculares, melhorar pressão arterial e colesterol LDL, prevenir diabetes, auxiliar em doenças renais, hepáticas e até em condições neurodegenerativas. Mesmo assim, a OMS reforça que a medicação não substitui intervenções populacionais voltadas para alimentação adequada e atividade física.
A diretriz explica que o maior obstáculo global é garantir que os medicamentos cheguem a quem mais precisa. Com mais de 1 bilhão de pessoas vivendo com obesidade e previsão de 2 bilhões até 2030, a capacidade máxima estimada de produção atual — suficiente para cerca de 100 milhões de pessoas — cobre menos de 10% da demanda. O documento destaca três pilares urgentes para tornar o tratamento viável e justo:
- Garantir acesso equitativo e preços acessíveis.
- Preparar sistemas de saúde para acompanhar e monitorar pacientes com segurança.
- Assegurar que o cuidado seja centrado na pessoa, livre de estigma e integrado à atenção primária.
Para isso, a OMS considera estratégias como produção genérica após expiração de patentes, compra conjunta entre países, licenciamento voluntário e fabricação local. A instituição também avalia inserir algumas dessas terapias na Lista de Medicamentos Essenciais para grupos de maior risco, como pessoas com obesidade associada a diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
A partir de 2026, o grupo de especialistas da OMS se reunirá novamente para definir critérios globais de priorização, identificando quem deve ser tratado primeiro diante da limitação de oferta e dos altos custos. O novo ciclo também deve incluir análise de custo-efetividade, evidências sobre interrupção, manutenção e resposta individual às terapias, além da incorporação de estratégias complementares como nutrição terapêutica e cirurgia metabólica.
A longo prazo, a entidade afirma que a chegada dos GLP-1 representa um ponto de virada no enfrentamento da obesidade, mas só produzirá impacto real se vier acompanhada de políticas amplas de prevenção, mudanças estruturais em sistemas alimentares, educação em saúde e ambientes que favoreçam escolhas saudáveis.
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