O que o Brasil vende ao mundo como símbolo de cultura, natureza exuberante e preservação histórica se transformou em cenário de medo, violência e abandono. Paraty, cidade fluminense tombada pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade em 2019, por reunir valor excepcional tanto cultural quanto ambiental, hoje amarga uma rotina de tiroteios, execuções, domínio de facções criminosas e extorsões.
Nos últimos meses, Paraty passou a ser uma das cidades mais perigosas do estado do Rio de Janeiro. O clima de tensão tomou conta de moradores e turistas. Assassinatos à luz do dia, confrontos entre Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e agora milicianos, se tornaram parte da paisagem urbana. E o que choca ainda mais: até a ficção se rendeu à dura realidade.
A novela Vale Tudo, da TV Globo, traz na trama de um de seus personagens uma cena ambientada em Paraty marcada pela violência e pela disputa de terras. A ficção apenas reflete a tragédia real que atinge a cidade. A arte imita a vida, e a vida, por aqui, virou um roteiro de guerra.
Do charme colonial ao medo constante
Três policiais, dois militares e um civil, foram mortos recentemente. Um agente da P2 (serviço reservado da PM) sobreviveu a uma emboscada ao chegar em casa, um empresário levou um tiro no braço em frente à própria pousada. O auge da ousadia criminosa veio às 10h da manhã, na véspera do Festival Bourbon de Jazz: um homem foi fuzilado na esquina do hospital municipal, a apenas 30 metros da prefeitura.
Bairros antes pacatos agora estão dominados. Ilha das Cobras, Mangueira, Morro do Ditão, Paraty Mirim, Novo Horizonte e Trindade são territórios do Comando Vermelho. Pantanal, Pontal, Jabaquara e Chácara estão nas mãos do Terceiro Comando Puro. Já o bairro do Condado teria sido tomado por criminosos da facção da Rocinha. Milicianos controlam pontos turísticos, como o cais do centro histórico, cobrando taxas ilegais e transformando locais públicos em extensão do crime organizado.
A resposta do Estado: atrasada e insuficiente
Somente nesta quarta-feira (18), o governo estadual determinou uma operação de ocupação nos bairros mais críticos. O Bope foi enviado com tropas de choque, cães, drones, aeronaves e blindados. A missão: tentar recuperar o controle de áreas dominadas. Mas o estrago já está feito. O medo está instalado. E o poder público, até então, se manteve em silêncio, inclusive o prefeito da cidade, que não se manifestou nem após a morte do próprio sobrinho, executado em confronto de facções no bairro Novo Horizonte.
Em outra ação recente, dois jovens foram mortos durante operação da Polícia Civil na Ilha das Cobras, como resposta à execução de um policial civil no Morro do Dirão. A escalada de violência parece não ter fim, nem comando político claro.
O Ministério Público Federal recomendou a suspensão de licenças ambientais para novos empreendimentos na cidade, como o polêmico Hotel Spa Emiliano, erguido na APA de Cairuçu. Mas, enquanto o poder público titubeia, moradores são desalojados, comunidades desestruturadas e o título da Unesco fica ameaçado.
O contraste entre o cartão-postal e o abandono
Paraty foi eleita pela Unesco, em 2017, como cidade criativa da gastronomia. Já encantou o mundo com seus festivais culturais, como a FLIP, o MIMO, o Festival da Cachaça e o próprio Bourbon Festival. É destino de intelectuais, artistas, políticos e visitantes do mundo inteiro. Mas hoje, esse cartão-postal vive sitiado pelo crime.
A cidade que se orgulhava de preservar sua história, seus casarões, suas tradições e seu modo de vida caiçara, agora amarga uma rotina de toque de recolher informal, medo nas ruas e silêncio institucional.
Paraty pede socorro
A omissão das autoridades, o avanço do crime e o descaso com as comunidades tradicionais transformaram Paraty em um símbolo de tudo o que o Brasil tem falhado em preservar. Cultura, meio ambiente, segurança e dignidade estão sendo arrastados para o fundo do poço. E o mundo, que antes admirava Paraty, agora assiste perplexo a sua agonia.
A cidade que um dia foi patrimônio da humanidade, agora é refém do abandono humano.