PEC da segurança não tira autonomia dos estados, dizem analistas após fala de governadores

A ofensiva dos governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Ronaldo Caiado (GO) contra a PEC da Segurança Pública, alegando que a proposta retira autonomia dos estados, revela mais sobre a disputa política com o governo federal do que sobre o conteúdo técnico da PEC. A avaliação é da diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

As críticas à PEC 18/2025, que busca constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), ganharam novo palco na comissão especial da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (2), onde governadores e parlamentares da oposição como Paulo Bilynskyj (PL-SP), Capitão Alden (PL-BA) e Delegado da Cunha (PP-SP) acusaram o texto de concentrar na União a gestão da área.

Por que isso importa?

  • A segurança pública é um dos temas de destaque no Congresso Nacional, com análise da PEC da Segurança Pública na Câmara dos Deputados.
  • No Senado Federal ocorre a tramitação do Projeto da Lei Antifacção e a CPI do Crime Organizado.

Segundo nota do Instituto Sou da Paz, porém, grande parte dessas afirmações não se sustenta no que a proposta realmente prevê. O ponto que mais alimentava esse discurso — o dispositivo que atribuía à União competência privativa para legislar sobre normas gerais de segurança pública e sistema penitenciário — já havia sido retirado pelo relator, Mendonça Filho (União-PE).

Para Carolina Ricardo, os integrantes do autodenominado “Consórcio da Paz” ampliaram o tom contra a proposta para criar um falso embate. “A proposta de coordenação que o texto traz não é algo que impacte ou retire a autonomia dos estados. Vai possibilitar, por exemplo, a integração de dados, a criação de um RG único, [uso de] ferramentas mais inteligentes”, explica.

“Eles estão surfando na onda para se opor a qualquer custo à PEC”, diz Ricardo, acrescentando que a escalada retórica enfraquece o debate público sobre segurança.

Na mesma linha, o professor de direito penal do Ibmec de Brasília (DF) Tédney Moreira sustenta que a reação dos governadores é antes eleitoral do que técnica. Segundo ele, a acusação de ingerência federal funciona, nesse contexto, como um discurso para aumentar o número de opositores ao presidente Lula, que deve se candidatar à reeleição em 2026.

“A PEC da Segurança Pública, na verdade, não ‘inventa a roda’. Ela constitucionaliza a política já preconizada pela Lei n.º 13.675, de 2018, que além de instituir o SUSP [Sistema Único de Segurança Pública], também prevê a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública e a criação da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social”, explica Moreira.

Ainda assim, em tom inflamado, Caiado afirmou durante a audiência que o governo federal mantém “complacência e conivência” com facções criminosas. “Quero saber por que essa legislação brasileira, é tão contemplativa com esse pessoal”, declarou. Na mesma linha, Tarcísio classificou o projeto como “cosmético”, e que sua principal objeção, reside no que ele considera ser uma centralização “inaceitável” da gestão na União e uma afronta à autonomia dos estados.

“Imaginem um país que tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados, tem 27 Estados, 5.569 municípios, tem a política pública de segurança concentrada na União. Em todos os países do mundo, a política de segurança pública foi descentralizada” disse o governador paulista, que defendeu ainda que o foco da PEC deveria ser o endurecimento de penas e o combate à impunidade.

Consórcio de governadores

Tarcísio e Caiado fazem parte do “Consórcio da Paz”, criado após a megaoperação no Rio de Janeiro que deixou mais de 120 mortos e reuniu sete governadores em apoio à política de segurança do governador Cláudio Castro. Embora o grupo declare atuar na troca de inteligência e no apoio ao combate ao crime organizado, reportagem da Agência Pública mostra que cinco dos seis estados do consórcio registraram aumento da letalidade policial nos últimos anos.

Outro membro, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, estava previsto para falar na audiência, mas não compareceu. Os governadores foram convidados após requerimento do deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), que solicitou as presenças para discutir como a proposta pode afetar a segurança pública estadual.

Carolina Ricardo reconhece que o governo federal cometeu erros ao divulgar a PEC antes de concluir negociações internas, mas sustenta que, no mérito, o texto traz vantagens ao modelo de gestão da segurança pública atual.

“Ela [a PEC] vai fortalecer a capacidade do Brasil de enfrentar o crime organizado, porque a gente tem [atualmente] polícias muito desarticuladas. […] É preciso de algo que integre, faça essa gestão conjunta. E isso eles [governadores e oposição] não dizem, porque vai fortalecer o Estado brasileiro e enfrentar o crime organizado”, complementa a diretora-executiva do Sou da Paz.

“A própria nomenclatura autoatribuída como ‘Consórcio da Paz’ demonstra o uso político da pauta, como se a proposta da PEC fosse na contramão da busca de uma paz na segurança pública. A prática de policiamento recentemente aplicada pelos estados envolvidos vai na contramão da ideia de ‘paz’, tendo em vista ser confrontada pelas estatísticas que demonstram um aumento da violência e da letalidade policiais, sem a pretendida redução da criminalidade”, complementa Tédney Moreira.

Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a previsão é que o projeto seja votado na comissão especial na próxima quinta-feira (4).

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