No entanto, de acordo com o inquérito policial, realizado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), a vítima teve a camisa retirada com o objetivo de fraudar a investigação, buscando eximir a responsabilidade do PM e tentar criar a hipótese de erro ou uma argumentação para justificar o disparo.
Outro membro da PMDF, o soldado Renato Almeida chegou a entrar na casa do bombeiro à procura do homem perseguido, que se escondeu no local após subir no telhado. Para os investigadores, usando como base as próprias declarações de Renato, ele teria ajudado de alguma maneira o soldado Coutinho a retirar a camisa da vítima para isentar o colega da responsabilidade do crime de homicídio.
A investigação ainda considera que não existe a mínima sustentação para alegar que o soldado teria confundido a vítima com o perseguido. Além de, provavelmente, estar com a camisa, Walter Leite da Cruz era 28 centímetros mais alto, tinha o dobro de idade, e a cor da pele era mais clara.
Tanto Ismael quanto Coutinho afirmaram, em depoimento à PCDF, que a vítima estava sem camisa, contrariando a versão apresentada pela esposa de Walter, que presenciou o crime. O laudo de exame de local encontrou uma camiseta regata, de cor preta, disposta de forma amarrotada junto à porta do quarto, cômodo próximo à sala onde o crime ocorreu. A roupa estava rasgada na sua lateral e com marcas de sangue humano.
Os peritos indicaram que o corte lateral é característico de ações de tentativa de socorro por equipe especializada, o que permite sugerir que uma pessoa trajava a camiseta enquanto estava ferida. Outro ponto é que as manchas de sangue estavam concentradas principalmente na lateral esquerda da roupa, que não apresentava perfurações, apontando que a vítima foi atingida na porção direita da cabeça ou no pescoço. O disparo que matou o bombeiro atingiu, justamente, o pescoço.
Vídeo obtido pelo Metrópoles mostram a perseguição ao suspeito, que estava sem camisa, pelas ruas do Setor O.
Veja:
Walter Leite foi socorrido em estado grave e levado, pelos próprios PMs, para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Após dar entrada na unidade de saúde, o militar não resistiu aos ferimentos e morreu. O suspeito de violência doméstica foi preso e encaminhado à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam II).
Suspeito de invadir casa de bombeiro
Suspeito que invadiu casa do bombeiro ao fugir da polícia foi preso Material obtido pelo Metrópoles
Casa de bombeiro morto em Ceilândia2
Casa do bombeiro morto Ana Karolline Rodrigues/ Metrópoles
Casa de bombeiro morto em Ceilândia
Crime ocorreu em Ceilândia Ana Karolline Rodrigues/ Metrópoles
Walter vestido com a mesma roupa do dia do crime – frente (1)
Walter vestido com a mesma roupa do dia do crime Material obtido pelo Metrópoles
0
Outras imagens também exibem que, após o homicídio, pelo menos outras oito pessoas fardadas com o uniforme da PMDF entraram na cena do crime antes da chegada da perícia, o que poderia prejudicar a análise do local.
Com o final da investigação, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ofereceu denúncia por homicídio qualificado contra Ismael Coutinho e fraude processual contra Renato Almeida. Atualmente, o caso está sendo analisado pelo Tribunal do Júri de Ceilândia.
Naime teria interferido na investigação
No dia do crime, após o socorro inicial ao bombeiro, a guarnição combinou de apresentar Ismael Coutinho como autor do homicídio na 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro). Porém, o coronel Vânio Escobar ordenou que o soldado fosse diretamente para a Corregedoria da PMDF.
A decisão, segundo Escobar, veio do alto comando da corporação, inclusive do próprio coronel Jorge Eduardo Naime, atualmente preso por suposta omissão nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. A transferência foi realizada sob a justificativa de que o crime foi cometido por militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado. Com isso, a PMDF abriu um inquérito próprio para verificar a situação e apreendeu a arma utilizada.
Vale ressaltar que o bombeiro não estava em serviço e os próprios policiais envolvidos só souberam que a vítima era militar após os disparos. Os PMs só apresentaram sua versão dos fatos dias depois na 24ª DP (Setor O).
Para a assistente de acusação do Ministério Público, representada por Vaneska Leite, que também é irmã da vítima, Naime e outros comandantes interferiram de forma ilegítima na condução da prisão do policial preso e do armamento apreendido. O MPDFT indicou que a Justiça Militar renunciasse do caso por falta de competência e, neste mês, a apuração militar foi arquivada. O caso será julgado apenas pela Justiça comum.
A pistola vinculada ao réu foi apreendida pela própria PMDF, ficando sob a custódia da corporação por 76 dias após a prática do crime, apesar de diversas solicitações PCDF requisitando o armamento para poder realizar o exame de confronto balístico. Além disso, antes de ser apreendida, ela foi manuseada por outros militares da guarnição.
Defesas
Anteriormente, consultada pelo Metrópoles, a PMDF apenas replicou uma nota informando que o policial Ismael Coutinho está afastado das atividades operacionais, trabalhando em ações administrativas da corporação.
“A demanda já está em tramitação no Judiciário e o mesmo será submetido ao Tribunal do Júri. Ressaltamos que a PMDF não coaduna com desvios de conduta por parte dos seus integrantes e todos os fatos são apurados em conformidade com processo legal”, afirmou a PMDF.
A reportagem também entrou em contato com a defesa dos envolvidos. Com relação aos fatos, a defesa de Ismael Coutinho se reservou a apresentar esclarecimentos nos autos em trâmite no Tribunal do Júri de Ceilândia.
A defesa do coronel Naime ressalta que, em nenhum momento, houve interferência nas investigações. Segundo o advogado, ele foi convocado na condição de testemunha e prestou todos os esclarecimentos, colocando-se à disposição das autoridades.
“O Sr. Naime é um profissional dedicado, que sempre respeitou a disciplina militar e os manuais da corporação, não tendo cometido qualquer irregularidade com relação ao assunto, tampouco possui envolvimento neste caso”, afirmou a defesa do coronel.
Segundo a assistência de acusação, ainda não há um processo só para o soldado Renato Almeida. O MPDFT chegou a solicitar o desmembramento das acusações, mas a questão será decidida na audiência de instrução e julgamento, visto que muitas coisas irão depender do que o autor do disparo irá falar.
Até agora, em todos os atos do processo em que o Renato esteve presente, ele foi acompanhado por um advogado. O Metrópoles entrou em contato com o escritório de advocacia apontado, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto para manifestações.