Uma denúncia apresentada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acrescenta um novo e sensível capítulo ao caso do leilão de um imóvel estratégico para a saúde mental e a segurança pública em Maceió. A advogada Adriana Mangabeira Wanderley protocolou reclamação disciplinar contra o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, acusando-o de chancelar a venda de um terreno que abriga o CAPS II Dr. Rostan Silvestre, o 2º Distrito Policial de Proteção ao Turista e a Patrulha Maria da Penha.
A representação sustenta que a decisão do presidente do TJAL teria validado um leilão considerado ilegal, apesar da existência de indícios de violação à legislação federal e de decisões judiciais que reconhecem a impossibilidade de alienação do imóvel em razão de sua função social. A Prefeitura de Maceió tenta anular judicialmente a venda, alegando que o terreno não poderia ser classificado como ocioso.
Supostas irregularidades no leilão
Na reclamação encaminhada à Corregedoria Nacional de Justiça, a advogada afirma que o leilão, conduzido pela Secretaria de Planejamento de Alagoas (Seplag) e homologado em novembro de 2025, descumpriu a Lei Federal nº 14.133/2021, que estabelece prazo mínimo de dez dias úteis para ampla divulgação prévia na alienação de bens públicos.
Segundo a denúncia, o certame teria sido divulgado por apenas 48 horas, sem publicidade efetiva em veículos de grande alcance, o que teria limitado a concorrência. Para a advogada, o procedimento ocorreu “no apagar das luzes”, sem transparência, envolvendo um patrimônio público diretamente vinculado a políticas de saúde e proteção social.
Função social e cláusula de reversão
A reclamação aponta ainda que o imóvel foi doado ao Estado com encargo específico para fins sociais, contendo cláusula de reversão automática ao Município de Maceió em caso de desvio de finalidade. Mesmo assim, o terreno foi levado a leilão, apesar de abrigar serviços públicos em funcionamento e atender, segundo estimativas, mais de 250 pessoas por dia, muitas em situação de vulnerabilidade.
Para a denunciante, a manutenção da validade do leilão pela presidência do TJAL ignora não apenas o histórico jurídico do imóvel, mas também o impacto direto sobre a população atendida.
Valor da venda e suspeitas
Localizado na antiga Avenida Amélia Rosa, no bairro da Jatiúca, o terreno foi arrematado por cerca de R$ 15,6 milhões pela empresa Blu Capital Investimentos e Empreendimentos Imobiliários Ltda., com participação de apenas duas construtoras. Avaliações informais atribuídas a imobiliárias da capital indicariam que a área poderia alcançar valor muito superior, o que levanta suspeitas de subavaliação e possível prejuízo ao patrimônio público.
Também são citados, em denúncias ainda sob apuração, o empresário Marcelo Santos, conhecido como “Marcelinho Cabeção”, e a construtora V2, dos irmãos Ronald e Ralph Vasconcelos, apontados como possíveis beneficiários indiretos da operação. Oficialmente, contudo, os processos mencionam apenas pessoas jurídicas.
Decisões judiciais e controvérsia
De acordo com a denúncia, a Prefeitura de Maceió obteve decisão favorável em primeira instância para suspender o leilão. Posteriormente, o Estado teria adotado uma medida processual considerada inadequada, o que levou o caso à presidência do TJAL. Em decisão monocrática, o desembargador Fábio Bittencourt teria desconstituído a decisão inicial e validado o leilão.
A advogada sustenta que o episódio ocorreu em meio a articulações políticas, versão que ainda será analisada pelos órgãos de controle.
Pedidos ao CNJ
Na representação, Adriana Mangabeira Wanderley solicita a abertura de processo administrativo disciplinar contra o presidente do TJAL, seu afastamento cautelar, a declaração de ilegalidade do leilão e o envio do caso à Polícia Federal para apuração da origem dos recursos utilizados na compra do imóvel e de eventuais crimes conexos.
A Corregedoria Nacional de Justiça analisa o caso, que pode ter repercussões institucionais envolvendo o Judiciário e o governo estadual.
Enquanto o imbróglio jurídico se intensifica, profissionais e usuários do CAPS alertam para o risco de interrupção dos serviços de saúde mental. O imóvel recebeu investimento público recente estimado em R$ 1,7 milhão, o que reforça críticas sobre desperdício de recursos e abandono de sua função social.
Procurados, o Governo de Alagoas, a Seplag, a Blu Capital, os empresários citados e o Tribunal de Justiça de Alagoas não se manifestaram até o fechamento desta edição.