Considerações do tributarista Ives Gandra da Silva Martins sobre o texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados, na sexta-feira, 7/7. A íntegra pode ser acessada no Instagram do Professor Ives Gandra
Autonomia dos estados e municípios
“Tenho a impressão de que o texto que passou na Câmara vai ter que ser reexaminado no Senado. O sistema anterior não era ruim. Pelomenos até o momento em que foi aprovado. Foi até elogiado, em 1988. O que houve foi uma desfiguração através de legislação infraconstitucional.
O que se pretendeu nessa reforma? Pegar cinco tributos e compactar em três. Nós temos o IBS, o CBS e o Imposto Seletivo. Vale dizer, reduzo de cinco para três. Tira-se a autonomia dos estados e municípios e cria-se um conselho federativo. Em que, evidentemente, eles terão, todos, que discutir aquilo que vai ser a tributação.
Perdendo aquela autonomia de o município decidir sobre seu ISS para ser subordinado a um conselho no qual haverá representantes dos municípios e de cada estado. Então, é uma diminuição do sistema federativo.
Para muitos, nós estamos voltando a um estado unitário porque perdemos a autonomia financeira dos estados. Por outro lado, quando foi concebido o sistema, a ideia era ter uma alíquota única, sem exceções. Porque a desfiguração do sistema anterior ocorreu nas aberturas de uma série de exceções do ICMS, do ISS, vindas de guerras fiscais, etc.”
Aumento de carga tributária
“Agora não é isso que vai acontecer. Diziam eles, isso não acontecerá porque teremos uma alíquota única. Calculada em 25 % para todos, para agropecuária, para serviços, para comércio, para indústria e para o sistema financeiro. Como foram sendo abertas exceções, essa alíquota não mais será de 25%. Será muito maior; e com as exceções abertas, um grande número de atividades ficaram fora. Por exemplo, advocacia, serviços, que antes estavam com uma média de ISS no Brasil de 3% , nos diversos municípios, podia ser de, no máximo, 5%, mas variando entre 2% e 5 %, vai passar para 25 % ou 30%. Um advogado que pagava uma taxa única vai, agora, pagar 30% mais os 25%, 22,5%. E eu falo disso de médicos, de engenheiros, de todos. Eles abriram exceções.
O que vale dizer, não há como não haver aumento de carga tributária, apesar de criar uma trava. Por quê? Porque os estados e municípios que vão ganhar com o novo sistema, diretamente vão ficar extremamente satisfeitos. Os estados e municípios que vão perder, vão ser compensados pela União. Vão ser compensados por um fundo, para que não percam receita. Para eles não perderem receita e para a União poder compensar, isso será tirado de algum lugar. O que vale dizer: de nós, contribuintes. Então, apesar de terem colocado uma trava, é uma matemática difícil, que eles vão ter que equacionar em lei complementar, em lei ordinária.”
Carta em branco
“E, por fim, foi para simplificar o sistema que eles mudam o sistema anterior para um novo. Mas como foram abrindo exceções para poder fazer aprovação, essas exceções estão contendo a mesma desfiguração que nós sentimos a partir da Constituição de 1988, do sistema então aprovado, e todos os setores que queriam uma exceção aqui, uma exceção lá.
Mas o certo é o seguinte, haverá, mesmo com exceções, um aumento para a agropecuária, um aumento para o comércio, um aumento para o setor de serviços, em benefício do sistema financeiro e da indústria.
Por isso, nós pedíamos, vamos discutir a reforma com os projetos de lei complementar, com os projetos de lei ordinária, para sabermos os impactos, ao mesmo tempo, sobre municípios e estados.
Nós estamos dando uma carta em branco, porque não temos nenhum anteprojeto ou nenhum projeto de leis ordinárias complementares, nenhuma projeção dos impactos positivos e negativos daquilo que é uma carta branca que se está dando.”
Nunca fui contra a reforma tributária
“Eu disse que nunca fui contra uma reforma tributária, mas acho que uma questão dessa importância teria que vir com um pacote completo e, ao mesmo tempo, um monumental tempo para que se pudesse discutir com todos os lados e a decisão, daí, ser em plena consciência por parte dos congressistas.
Nós lutamos em 1988 (eu participei de diversas audiências públicas, conversando com o presidente da Constituinte, que era Ulisses Guimarães) para fortalecer a federação, vindo de um regime em que tudo estava concentrado na União, que era o regime anterior, o regime militar. Agora, esse esforço federativo fica fragilizado, nós voltamos para o passado (anterior a 1988), caminhamos para o Estado Unitário.”