Sonhar é uma experiência universal, mas ainda cercada de mistérios. Algumas pessoas relatam sonhos vívidos, com cores intensas e cenários cheios de detalhes, enquanto outras descrevem lembranças em preto e branco ou em tonalidades mais neutras.
Essa diferença não acontece por acaso. O modo como os sonhos se apresentam está ligado ao funcionamento do cérebro durante a noite, ao ciclo do sono e ao repertório visual de cada indivíduo. Experiências vividas, memórias acumuladas e até mesmo influências culturais ajudam a moldar a maneira como cada pessoa sonha.
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Fatores externos como uso de medicamentos, qualidade do sono e distúrbios respiratórios noturnos também podem alterar a lembrança dos sonhos e a percepção de suas cores. Para a ciência, estudar esse fenômeno é também uma forma de compreender melhor a atividade cerebral em repouso.
Os sonhos têm cor?
A ideia de que todos sonham em cores não é unanimidade. Gleison Guimarães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e médico especialista em sono, explica que a fase REM, também chamada de sono com movimentos oculares rápidos, é a mais associada a sonhos vívidos.
Nessa etapa do sono, o cérebro funciona de forma tão intensa que se aproxima do estado de vigília. É justamente essa atividade elétrica elevada que favorece a criação de enredos mais ricos, nos quais os sentidos — incluindo a visão — parecem estar em pleno funcionamento. Quando o sono é interrompido ou fragmentado, esses ciclos não se completam, e os sonhos tendem a ser mais curtos ou menos nítidos.
“Pessoas que relatam lembrar-se com mais frequência de sonhos coloridos geralmente apresentam maior continuidade e qualidade do sono REM. Isso não significa necessariamente que dormem mais horas, mas sim que mantêm ciclos completos de sono sem tantas interrupções”, detalha Guimarães.
O neurocientista André Leão, que atende em São Paulo, destaca que, mesmo sem estímulos externos, o cérebro consegue “fabricar” imagens usando lembranças visuais. Essa capacidade de “construir” imagens é resultado da ativação de regiões específicas do cérebro, que funcionam como estúdios internos de criação visual.
“O cérebro não enxerga de fato durante o sonho, porque os olhos estão fechados e não há estímulo externo. O que acontece é a ativação de áreas do lobo occipital, responsáveis pela visão, que recriam a experiência das cores a partir de memórias já armazenadas”, explica Leão.
Isso significa que as cores não são criadas do zero, mas reconstruídas a partir do que a pessoa já vivenciou. O cérebro combina lembranças visuais, experiências sensoriais e até associações emocionais para montar as cenas oníricas, como se estivesse editando um filme a partir de fragmentos de memória.
Por que alguns sonhos são em preto e branco
A presença ou ausência de cores nos sonhos está relacionada à forma como diferentes áreas do cérebro são ativadas durante o sono. Sonhos coloridos envolvem maior ativação das regiões visuais associativas, responsáveis pelo processamento detalhado das cores, enquanto sonhos em preto e branco tendem a mobilizar circuitos mais básicos, que trabalham com formas e contrastes simples.
“Sonhos coloridos envolvem maior ativação de áreas visuais associativas, como V4 e V8, ligadas ao processamento de cor. Já sonhos em preto e branco parecem recrutar circuitos mais básicos, relacionados à forma e contraste. Isso indica que a presença ou ausência de cores depende da intensidade e complexidade da atividade neural durante o sono”, relata Leão.
Além da atividade cerebral, experiências visuais do cotidiano também influenciam o conteúdo dos sonhos. Em épocas em que a televisão era em preto e branco, os relatos de sonhos sem cor eram mais frequentes, enquanto hoje, em um ambiente com muitos estímulos visuais, é mais comum lembrar de cenas coloridas.
A capacidade de sonhar em cores também depende da experiência visual do indivíduo. Pessoas cegas de nascença não sonham com cores, já que nunca tiveram essa experiência sensorial. Quem perdeu a visão ao longo da vida continua sonhando com cores, pois mantém as memórias visuais. Já os daltônicos sonham dentro do espectro cromático que conseguem perceber acordados.
O que pode alterar os sonhos
Além do funcionamento do cérebro, diferentes fatores externos podem modificar a forma como sonhamos. Guimarães destaca que medicamentos que atuam no sistema nervoso central, como antidepressivos e ansiolíticos, alteram a estrutura do sono. O álcool fragmenta a fase REM, enquanto o consumo excessivo de cafeína também interfere na lembrança dos sonhos.
Distúrbios como insônia e apneia estão associados à redução do sono REM, o que diminui a percepção de detalhes e de cores. Nessas situações, muitas pessoas relatam sonhos mais curtos, menos organizados ou até ausência de recordação.
Para quem deseja lembrar melhor dos sonhos, Guimarães recomenda adotar hábitos de higiene do sono. Dormir e acordar em horários regulares, evitar telas antes de deitar e manter o quarto escuro e silencioso são práticas que favorecem a recordação. O registro em diário de sonhos logo ao despertar aumenta a chance de lembrar até mesmo das cores.
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