Quilombolas denunciam grupo canadense que quer buscar ouro no Entorno

A mineradora canadense Kinross Gold Corporation, representada no Brasil pela filial Kinross Brasil Mineração S/A, foi alvo de reclamação de lideranças quilombolas de Paracatu (MG), onde a empresa atua desde 2005. Como mostrou o Metrópoles nesse domingo (28/9), a Kinross Brasil vem atuando para explorar o solo de Luziânia (GO), distante 60 quilômetros do centro do Distrito Federal, em busca de ouro.

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Igreja Nossa Senhora do Rosário, maior ponto turístico de Luziânia (GO), foi construída por escravos e pode “esconder” mina de ouro

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Historiadores apontam que há ouro debaixo do santuário

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Ao menos 87 escravos, que construíram a igreja porque não podiam ir à missa onde a população branca ia, foram enterrados no local

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Os números riscados no chão são identificadores dos caixões

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Antônio João dos Reis, 93, historiador de Luziânia

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Antônio é filho de Gelmires Reis, tido como o maior historiador do município histórico

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A reclamação foi feita pela Comunidade Remanescente de Quilombo Machadinho, de Paracatu (MG), presencialmente na sede da Fundação Cultural Palmares, no último dia 6 de setembro. O grupo veio à capital para denunciar os impactos da mineração em território paracatuense.

Os líderes da comunidade dizem que foram expulsos de casa sem qualquer reparação por parte da Kinross. A população foi realocada e, no novo local, os moradores dizem escutar explosões diárias que provocam rachaduras nas paredes e acúmulo de poeira.

Após a visita, o Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (DPA), da Fundação Palmares, prometeu visitar a região mineira ainda em setembro. O Metrópoles fez contato com o órgão para saber se o encontro foi realizado e aguarda retorno.

87 pedidos para pesquisa em Luziânia

A Kinross Brasil Mineração S/A inflou o número de pedidos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) para realizar pesquisas no solo de Luziânia. Para se ter ideia, a média de requerimentos de registro de licença no site da ANM oscilava entre sete e 12 solicitações por ano no período entre 2019 e 2023. Porém, em 2024, a agência reguladora recebeu 78 pedidos, sendo 67 somente da Kinross.

Em 2025, de janeiro a setembro, a ANM recebeu 29 requerimentos na totalidade, sendo 20 da Kinross.

Veja no gráfico:

A Kinross Brasil Mineração S.A. atua desde 2005 em Paracatu, cidade distante 240 quilômetros de Brasília (DF). A empresa se autointitula “uma das maiores produtoras de ouro do Brasil, responsáveis por 22% da produção nacional”. Opera na Mina do Ouro, no município mineiro. “Com um grande projeto de expansão, elevamos a capacidade de lavra de minério e ampliamos em mais de 15 anos o tempo de vida útil da mina, agora estimado até 2032”, diz em seu site.

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Ainda há ouro em Luziânia?

Metrópoles conversou com um ex-garimpeiro, morador de Luziânia, para saber se a região ainda tem trabalhadores que extraem o cascalho do solo em busca de ouro. José de Carvalho, 71 anos, assegura que as terras luzianenses ainda guardam o metal precioso.

“Ainda há, nos dias de hoje, garimpeiros que mexem no solo e extraem ouro de forma autônoma. Como é muito difícil a regularização, eles acabam atuando clandestinamente devido à necessidade financeira”, explica Carvalho.

José de Carvalho aponta que os garimpeiros vendem o grama do ouro a, uma média, de R$ 400 a R$ 500. “Cada garimpeiro consegue extrair, em média, de um a dois gramas por dia”, comenta o ex-garimpeiro. “Alguns compradores já sabem e vêm aqui, enquanto outros garimpadores buscam sair do município para vender por preço melhor”, conta.

O historiador Antônio João dos Reis, 93, ocupante da cadeira de número 25 da Academia de Letras e Artes do Planalto, em Luziânia, também aposta que há ouro guardado no solo goiano. “Tem [ouro], ao redor da Igreja do Rosário”, diz o historiador. “O que eu posso dizer é que o ouro existe, mas deve ser cerca de 25% do que restou dos séculos passados”, acredita.

História sangrenta

Inicialmente Santa Luzia, Luziânia tem 278 anos de história e nasceu por conta da busca de bandeirantes por ouro. Para garimpar aquele solo ainda desconhecido, muitos escravos foram obrigados a trabalhar e deixar, literalmente, o próprio sangue enterrado pela cidade.

O pai do historiador Antônio dos Reis é o também historiador Gelmires Reis (1893–1983), considerado um dos maiores da cidade goiana. Gelmires deixou de herança para Antônio e para toda Luziânia um extenso acervo sobre a história da cidade.

No livro Almanach de Santa Luzia, por exemplo, Gelmires Reis e Francelino Meireles contam que, em 1768, o ouro já era extraído do município, sobretudo às margens do Rio Vermelho, mas faltava água para lavar o material. Foi aí que o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo, vindo de Paracatu, quis construir um rego que saía do ribeirão Saia Velha (região de Santa Maria) até Luziânia para passagem de água.

Mais de 1 mil pessoas escravizadas, então, foram obrigadas a criar a passagem com as próprias mãos, num trecho de mais de 40 quilômetros de extensão. “A demora propiciou a um major à época comentários jocosos de que seria mais fácil trazer a água em cabaças”, diz a obra. Dois anos depois, em meio a muitas mortes de trabalhadores, as comportas se abriram e a água jorrou pela passagem que ficou conhecida como Rego das Cabaças.

Hoje a região do Rego das Cabaças guarda uma trilha disponível para visitação.

Outro lado

Em nota, a Kinross Brasil Mineração S/A disse atuar “em estrita conformidade com a legislação brasileira”. “A Kinross reafirma o compromisso com a segurança de suas operações, o respeito às comunidades e a transparência de seus processos, destacando sua atuação responsável e sustentável no município de Paracatu”, afirma a empresa.

Quanto às ações civis públicas movidas pela comunidade quilombola, a Kinross diz ter tomado ciência dos processos, mas afirmou que se pronunciará apenas perante a Justiça.

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