O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou que os moradores da fazenda Antinha de Baixo (região em Santo Antônio do Descoberto) que já haviam perdido suas casas tenham direito à posse das terras. A decisão, portanto, ordena que os 32 imóveis que chegaram a ser desocupados sejam entregues de volta às famílias que os perderam para os Caiado e outros supostos herdeiros.
Na decisão, Fachin julga parcialmente procedente a cassação da medida que dava as terras aos Caiado. Com isso, o desembargador do Tribunal de Justiça (TJGO) Breno Boss Caiado, primo do governador Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), e outros dois herdeiros citados no processo, deixam de ter direito às terras da Antinha de Baixo.
A decisão de Fachin, publicada nessa quarta-feira (24/9), considera o fato de os moradores declararem que a região é quilombola pelo fato de ter sido habitada por escravos em séculos passados. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) manifestou interesse no feito e estuda a área. Para Fachin, destinar aquela região a três herdeiros e torná-la particular pode causar graves prejuízos.
O Metrópoles buscou ouvir as autoridades do Executivo e do Judiciário de Goiás para saber de que forma será realizada a restituição das casas aos moradores e aguarda retorno.
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Fazenda Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto (GO)
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População da Antinha de Baixo
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Região seria quilombola; tal fator levou o STF a suspender as derrubadas
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Lídia Rosa Silva, 61, é uma das moradoras que perderam casa
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Katleen Silva, 38, é uma das moradoras que ficou sem teto
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Viviane Barros, 42, revisita os escombros da sua propriedade
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Ela e o marido, o rodoviário Wilson Rabelo, 38, ao lado do Pipoco, cavalo de estimação da família
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Murilo Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é um dos herdeiros, de acordo com o TJGO
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Entenda a batalha judicial entre os Caiado e as famílias da Antinha de Baixo
- O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) havia declarado, em decisão proferida na década de 1990, que três pessoas seriam herdeiras das terras da Antinha de Baixo. Os herdeiros são Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss. Essa última, já falecida, é mãe de Breno Caiado e tia do governador Ronaldo Caiado.
- Em 28 de julho deste ano, a juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível da comarca de Santo Antônio do Descoberto, ordenou que tal decisão do TJGO fosse cumprida e expediu mandado de desocupação compulsória de 32 imóveis da Antinha.
- A medida desapropriava os atuais moradores e dava posse das terras aos três herdeiros supracitados (Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss). Como esses dois últimos já faleceram, os herdeiros deles são os reais beneficiados com a decisão.
- Um dos herdeiros de Maria Paulina Boss é o desembargador Breno Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, como citado anteriormente. Breno atuou como advogado no processo até 2023.
- Outro herdeiro é o empresário Murilo Caiado, irmão de Breno e primo de Ronaldo. Murilo esteve na Antinha de Baixo acompanhando as desocupações.
- Até que, em 5 de agosto, dias após o Metrópoles noticiar o caso, os moradores da região tiveram três decisões judiciais de âmbito federal favoráveis: o STF, a Justiça Federal de Anápolis e o próprio TJGO determinaram a suspensão das derrubadas para que se apure a autodeclaração da população que diz que a Antinha de Baixo é uma região quilombola.
- A determinação do STF tornou a Justiça Federal competente pela comunidade Antinha de Baixo. Assim, o TJGO perdeu autonomia para emitir novas ordens de despejo para outras casas.
- A decisão do Supremo não invalidava as medidas anteriores e, por isso, as 32 casas desocupadas após medida do TJGO seguiram sob posse dos herdeiros da família Caiado até a decisão assinada pelo ministro Fachin e divulgada nessa quarta-feira (24/9).
- A decisão mais recente, portanto, retira os herdeiros Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss da região e dá de volta a totalidade das terras aos antigos moradores da Antinha de Baixo.
- A entrega do caso à Justiça Federal vem após o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pedir à Advocacia-Geral da União (AGU) para atuar no processo como assistente. O pedido do Incra ocorreu após os moradores da Antinha de Baixo declararem ao órgão que aquela região foi ocupada por comunidade tradicional quilombola há cerca de 400 anos.
- Caso fique comprovado que a região foi habitada por cidadãos escravizados em séculos passados, cabe somente à Justiça Federal definições jurídicas sobre a área, como estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014. Mesmo antes dessa comprovação, as decisões recentes do STF consideram que a autodeclaração por si só é motivo suficiente para preservação da área e de seus moradores.
Mais sobre a decisão
Na decisão dessa quarta-feira (24/9), Fachin considera que continuar a dar a posse das terras a herdeiros que alegam que aquela propriedade é particular “pode causar prejuízos irreversíveis ao procedimento do Decreto 4.887/2003”. O decreto citado regulamenta a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos.
O ministro pontuou que os supostos herdeiros precisam provar as alegações por eles feitas anteriormente no processo — Breno Caiado diz que a Antinha de Baixo não se trata de ocupação quilombola. “Ainda, em se tratando de comunidade quilombola, o título de propriedade não enseja a imissão na posse, mas garante ao particular uma indenização justa pelo Poder Público”, declarou Fachin.
“Julgo parcialmente procedente a reclamação para cassar a decisão reclamada e determinar que seja observado o direito à posse — com segurança de todas as pessoas — da comunidade Antinha de Baixo, caracterizada como remanescente de quilombo, sobre as terras que seus integrantes ocupam”.
Família centenária
A Antinha de Baixo possui moradores centenários até os dias atuais. Um deles é Joaquim Moreira, conhecido como Seu Joaquim, 86 anos. “Meu pai era daqui, minha mãe também. Fiz casa, criei meus filhos aqui… Não tenho outra casa em lugar nenhum”, disse em entrevista ao Metrópoles.
Relembre no vídeo abaixo: