Com mandado de prisão preventiva em aberto, acusado de participar da invasão em Brasília em 8 de janeiro de 2023, o ex-BBB Adriano Luiz Ramos de Castro, mais conhecido como Didi Red Pill, segue ativo no YouTube — plataforma que usou para transmitir os atos golpistas em tempo real, por cerca de quatro horas. Mesmo foragido da justiça brasileira, ele continua publicando vídeos diários com ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e às instituições brasileiras. E mais: além de seu perfil com 442 mil seguidores ser monetizado no YouTube, o conteúdo vem sendo retransmitido por um canal de TV aberta, via satélite, o TVD News.
RedPill exibiu seu passaporte polonês em live transmitida do aeroporto de Varsóvia, enquanto aguardava um voo para Lisboa
Didi Red Pill teve a prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes em 6 de julho de 2023. Em uma live transmitida no último dia 4 de agosto, o ex-BBB revelou ao comentarista Alexandre Pittoli como deixou o Brasil. Segundo ele, uma semana após os ataques de 8 de janeiro, cruzou a fronteira com o Paraguai e, de lá, seguiu por uma rota que incluiu Colômbia, Costa Rica, Panamá, Alemanha e, por fim, Polônia. Ainda de acordo com seu relato, cerca de dois anos após os ataques em Brasília, obteve asilo político na Polônia — desde 6 de agosto, o país é governado por Karol Nawrocki, aliado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Enquanto falava, Adriano de Castro exibiu um passaporte emitido pela República da Polônia.“ Meu processo [de asilo político] demorou muito. Foram mais de 40 entrevistas e muita documentação que eu tive que levar. Outra coisa inédita aí, meu amigo, acredite, eu pedi uma carta pra alguns deputados, alguns negaram, outros ignoraram, e gente que eu menos esperava disse ‘toma aí’”, acrescentou sem revelar o nome dos parlamentares que teriam o ajudado. A Agência Pública procurou o “escritório de estrangeiro” da Polônia – órgão responsável pelas questões que envolvem entrada de estrangeiros no território, incluindo a concessão de asilo – para confirmar a informação de que Adriano de Castro teria recebido asilo político do país, mas não obteve retorno. Também entramos em contato com o advogado Clevio da Silva Barreto, que defende o youtuber no STF, mas ele não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Didi Red Pill: relato de fuga do Brasil transmitido na TV
O relato de Didi Red Pill sobre sua fuga da Justiça brasileira foi uma das centenas de lives do foragido já retransmitidas pela TVD News, desde sua inauguração. Com cobertura em todo o território nacional, a emissora, sediada em Belo Horizonte (MG), foi lançada em setembro do ano passado, sob o comando do empresário Ricardo da Silva Montijo.
Em seu vídeo de apresentação, a TVD News se autointitula “o único canal de TV de direita do mundo” e afirma basear seus compromisso nos pilares: “Deus, pátria e família”. Segundo o site oficial, o sinal já foi acessado por quase 17 milhões de residências no país.
Como a transmissão da TVD News é via satélite, não necessita de concessão do Ministério das Comunicações, que só outorga sinais captados por cabos. Desde agosto de 2023, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também opera um canal de TV com transmissão via satélite, batizado de PTSat.
Ainda no vídeo institucional, a TVD News informa ser “um braço empresarial da 2R Telecom Inc, empresa dos EUA, atuante no mercado de telecomunicações, com sólida representação no Brasil por meio de suas subsidiárias”. De acordo com os registros oficiais da 2R Telecom Inc, na Flórida, no entanto, a empresa foi encerrada por Ricardo Montijo em setembro de 2020.
Procurada pela Pública, a TVD News reafirmou, por meio de nota, ser “uma empresa de comunicação norte-americana” e ressaltou que “está sujeita unicamente à legislação dos Estados Unidos da América”. “Está, exatamente por isso, protegida integralmente pela liberdade de expressão consagrada pela Primeira Emenda à Constituição dos EUA”, acrescentou. A resposta na íntegra pode ser lida aqui.
O canal não informou à reportagem qual o nome da empresa registrada no exterior. Não localizamos nenhuma firma ativa nos EUA em nome de Ricardo Montijo. No Brasil, Montijo é sócio de três empresas de comunicação, conforme dados abertos da Receita Federal: World Telecom, Pix Network e Artevox Comunicações, todas sediadas em BH.
Vácuo regulatório para TVs via satélite
A transmissão de sinais de televisão via satélite, como no caso da TVD News, opera atualmente no país num vácuo regulatório, sem normas específicas. A regulamentação está prevista na agenda regulatória 2024–2025 da Secretaria de Comunicação Social Eletrônica do Ministério das Comunicações, publicada em agosto do ano passado. De acordo com o documento, o governo federal planeja criar o serviço RTVSat (Serviço de Retransmissão de Televisão via Satélite).
O ministério informou por meio de nota que o debate sobre o tema está avançado dentro do governo federal e que deve ser concluído até o final do ano. “Os canais de TV via satélite funcionam atualmente por meio da contratação de operadora autorizada a explorar o uso de órbita e faixas de radiofrequência para fins de telecomunicações via satélite”, destacou a pasta. Segundo o órgão, “é necessária uma autorização de serviço de telecomunicações de interesse restrito e privado, que é concedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas sem relação com a comunicação social”.
O ministério observou ainda não ter “competência para avaliar eventuais restrições judiciais de pessoas que produzem conteúdo transmitido por meio de qualquer serviço de radiodifusão”.
Como não há regulamentação, a TVD News não está sujeita as regras de conteúdo programático. Também não há limitação para a veiculação de anúncios e conteúdos patrocinados. Sua grade de programação é inteiramente dedicada a conteúdos de política com viés conservador. Nas lives retransmitidas pela emissora é comum que os comentaristas façam pedidos por doações e assinaturas.
Durante quase todas as transmissões de Didi Red Pill, por exemplo, um endereço para envio de doações via PIX fica exibido no canto inferior da tela. Os valores, no entanto, são enviados para uma conta no nome de um terceiro, já que os bens do influenciador no Brasil encontram-se bloqueados por determinação judicial.
Além de Didi Red Pill, a TVD News também dá palco a outros bolsonaristas erradicados no exterior e investigados pelo Supremo. Entre eles, está a ex-juíza Ludmila Lins Grilo, que teve as redes sociais banidas em 2022 por disseminar desinformação sobre o processo eleitoral e foi afastada do cargo em fevereiro de 2023 por uso indevido das redes sociais.
Desde 2022, ela está nos EUA, onde faz lives semanais no canal TV Injustiça, no YouTube. Os conteúdos são retransmitidos ao vivo pela TVD News aos domingos.
O blogueiro Allan dos Santos, foragido nos EUA desde 2020, também faz participações pontuais no programa Show da Manhã, do canal Fio Diário, que integra a grade de programação diária da TVD News.
Questionada, a TVD News afirmou que o material é cedido gratuitamente. “A TVD News não realiza pagamentos de nenhuma natureza aos influenciadores em questão. Isto significa que não repassa a eles nenhum valor, inclusive a título de monetização ou participação em faturamento de anúncios”, destacou.
Em nota, a empresa ainda levantou dúvidas “em termos de constitucionalidade, legalidade e respeito aos direitos fundamentais dos investigados e réus” sobre processos envolvendo liberdade de expressão “desde 2019 e ao 8 de janeiro” e afirmou que “não tem conhecimento sobre os supostos processos e/ou investigações envolvendo os influenciadores Ludmila Lins Grilo e Didi Red Pill.”
Conteúdo produzido por bolsonaristas investigados também é transmitido nos EUA
Parte da programação da TVD News também é retransmitida por uma plataforma de streaming nos Estados Unidos. A TV Flórida USA se define como “uma TV Brasileira feita para brasileiros que vivem fora do Brasil”. O canal está disponível no YouTube e através de aplicativo próprio que pode ser instalado em smartphones e em aparelhos de televisão com conexão à internet.
A plataforma também conta com um site, que exibe anúncios nativos de empresas comandadas por brasileiros nos EUA, e disponibiliza assinatura para membros com conteúdos exclusivos no YouTube.
A TV Flórida USA foi fundada em maio de 2019 pelo ex-assessor parlamentar da Assembleia Legislativa de Minas, Otávio Guilherme Souza. Exonerado do cargo em 2012, Souza mudou-se para os EUA onde atua como desenvolvedor de sites e CEO do streaming.
Em 2021, ele esteve com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP) durante um simpósio sobre as relações internacionais de Israel em Deerfield Beach. Souza também se encontrou com parlamentares brasileiros que viajaram a Washington D.C em março de 2024. Conforme revelou a Pública, os políticos passaram uma semana na capital dos EUA para articular com parlamentares republicanos possíveis punições ao Brasil.
Otávio Guilherme e Eduardo Bolsonaro durante a Cúpula Conservadora em Miami
A TV Flórida USA também participou do evento “Cúpula Conservadora” em julho deste ano, que contou com a participação de Allan dos Santos, Ludmila Lins Grilo, Eduardo Bolsonaro e do influenciador Paulo Figueiredo.
Denunciado pela Procuradoria-Geral da República por tentativa de golpe, Figueiredo tem atuado junto a Eduardo Bolsonaro nos EUA para pressionar por sanções contra autoridades e instituições brasileiras.
Conteúdos produzidos por esses e outros bolsonaristas radicados nos EUA, como o jornalista Rodrigo Constantino, são retransmitidos pela TV Flórida News, contribuindo para amplificar narrativas falsas contra a Suprema Corte brasileira e seus membros.
A reportagem questionou a TV Flórida News sobre o acordo da empresa para retransmissão de conteúdos de pessoas investigadas pelo STF, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
