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Uma das cenas que me impacta até hoje é a do então deputado Jair Bolsonaro exaltando o homem que torturou Dilma Rousseff durante a sessão de votação do impeachment da ex-presidente. Para mim soou como louvar um estuprador humilhando sua vítima em uma praça pública lotada, como estava o Congresso naquela noite de abril de 2016, com a sessão transmitida ao vivo em rede nacional.
Em 1970, aos 22 anos, Dilma Rousseff foi presa pela Oban, a Operação Bandeirante, estrutura clandestina formada por policiais e militares que faziam detenções ilegais e submetiam os presos a torturas, morte e desaparecimento. Foi a Oban que deu origem ao DOI-Codi, a polícia política mais cruel da ditadura, onde, em São Paulo, reinava o coronel homenageado por Bolsonaro, um monstro na descrição de dezenas de vítimas – aquelas que sobreviveram para contar.
Depois, Dilma foi jogada de cárcere em cárcere, entre interrogatórios movidos a tortura, até chegar ao Presídio Tiradentes, que se tornou conhecido pela solidariedade entre as mulheres presas em condições de precariedade extrema.
Muito diferente do tratamento que a democracia reservou àqueles que mais uma vez tentaram acabar com ela para reinstalar um estado de terror.
O ex-presidente Jair Bolsonaro julgado apenas pelos crimes que se pôde provar – não, por exemplo, pela mortandade da pandemia que fez multiplicar -, passou por um processo legal observado por milhões de brasileiros através da imprensa livre (só para lembrar, a maioria das pessoas nem sabia o que acontecia na ditadura e algumas parecem não saber até hoje) e, apesar de tentar burlar a lei mais de uma vez, foi detido sem violência alguma e instalado em acomodação confortável na Polícia Federal, com todos os cuidados médicos necessários.
Os generais, condenados depois de exercer o amplo direito de defesa com direito a advogados de elite, foram para salas com banheiro e frigobar em instalações militares, assim como o almirante Garnier. Agora irão passar pelo julgamento do Superior Tribunal Militar (STM) que, ao que tudo indica, vai manter patentes e benefícios da maior parte dos condenados, expondo mais uma vez seu desapreço pela democracia, que mantém vivo o ovo da serpente.
Terão que cumprir penas longas, é verdade, à altura da gravidade de seus crimes, mas continuam se beneficiando do Estado de Direito contra o qual atentaram sem se arrepender. Podem agora meditar ilesos na cadeia sobre as virtudes da democracia. E talvez rever alguns conceitos do tipo “bandido bom é bandido morto” ou “preso tem que apodrecer na cadeia”, como esbravejam a qualquer ocasião.
Mas isso seria deixá-los sem bandeira para as eleições.
Não estou na turma dos que os queria na podridão dos nossos presídios, vergonha nacional louvada em prosa e verso pela direita e berço de certo tipo de crime organizado. Grupos criminosos que assustam mais pela violência cotidiana, indiscriminada, invasiva, mas que não são piores do que a quadrilha que tentou derrubar a nossa democracia, como prova a exaltação de Bolsonaro a um símbolo de tortura e morte no Congresso Nacional (onde, aliás, se aninham intocados os políticos golpistas). Ah, não custa lembrar que Bolsonaro também homenageou milicianos, membros, portanto, de facção criminosa.
Estou disposta a engolir a injustiça dessas prisões confortáveis para os golpistas em comparação a dos demais condenados; que fiquem no ar condicionado, mas mantenham as patas bem longe da nossa democracia. Precisamos dela para avançar como sociedade enquanto combatemos os resquícios do passado. Quem sabe até para construir uma política de segurança mais justa e racional e um sistema de Justiça capaz de punir igualmente quem infringe as leis, afastar da sociedade quem representa perigo, oferecer reais possibilidades de reabilitação, sem jamais abrir mão do respeito absoluto às garantias constitucionais de cada um de nós, como fez o STF na condenação da turma de Bolsonaro.
Só assim o Estado Democrático de Direito terá o respeito que precisa para assegurar a paz.