Apesar de todos os esforços de Donald Trump para abafar o escândalo dos arquivos de Jeffrey Epstein, ele continua voltando para assombrá-lo. Alguns de seus apoiadores mais fervorosos estão se distanciando do presidente americano. Uma pesquisa da semana passada da Reuters indica que o apoio geral a Trump caiu para 38%, num contexto no qual os eleitores também estão insatisfeitos com a inflação crescente e a economia em declínio.
Na mesma pesquisa, apenas 20% dos entrevistados, incluindo 44% dos republicanos, aprovam a maneira como Trump lidou com o caso. Além disso, 70% dos entrevistados, incluindo 60% dos republicanos, acreditam que o governo está escondendo informações sobre os clientes de Epstein.
Do seu lado, Trump continua insistindo que rompeu sua amizade de dez anos com Epstein em 2004 e que desconhecia o envolvimento do financista em forçar uma garota menor de idade a fazer sexo com ele e outros homens poderosos e influentes. Ele também alega que a campanha para divulgar os arquivos de Epstein foi uma farsa orquestrada pelo Partido Democrata e uma caça às bruxas contra sua presidência. Na verdade, desde que assumiu o cargo em janeiro de 2025, Trump tem feito tudo ao seu alcance para impedir que documentos governamentais sejam divulgados.
Porém, numa reviravolta repentina na última semana, ficou claro que ele havia perdido o apoio dos republicanos. Quando o Congresso aprovou quase unanimemente um projeto de lei ordenando a divulgação de todos os documentos governamentais relacionados aos crimes de Epstein, Trump cedeu e sancionou a lei.
Há evidências documentais entre as centenas de milhares de páginas analisadas pelo Departamento de Justiça de que Trump usou a rede de tráfico sexual de Epstein para ter relações sexuais com menores? Há fotos comprometedoras entre o material mantido pelo governo dos EUA ou pelo espólio de Epstein? Este escândalo sexual poderia marcar a queda de Trump em desgraça perante seus apoiadores?
Até agora, nenhuma prova direta surgiu ligando o presidente a quaisquer atividades criminosas. No entanto, desde maio, quando a Procuradora-Geral Pam Bondi informou ao presidente que seu nome aparecia em muitos documentos relacionados a Epstein, Trump tem se desdobrado para desviar o escrutínio público do assunto — só que ele fracassou miseravelmente nesse esforço.
Agora, parece que as consequências dos arquivos de Epstein se estenderão até as eleições para o Congresso em novembro de 2026 e poderão ser um fator decisivo para o Partido Republicano perder o controle da Câmara dos Representantes e até mesmo do Senado.
Para entender essa complexa crise política, um pouco de contexto histórico se faz necessário.
Epstein e Trump: promessas de divulgar arquivos mudaram após eleição
Por várias décadas, Jeffrey Epstein, com o apoio de Ghislaine Maxwell, sua ex-namorada, organizou uma extensa operação internacional que fornecia mulheres jovens e meninas menores de idade para encontros sexuais com homens poderosos que visitavam as mansões em Nova York e South Beach, na Flórida, ou suas propriedades em ilhas do Caribe.
Depois que jornalistas investigativos revelaram informações sobre a rede de tráfico sexual de Epstein em 2005, o Ministério Público da Flórida o acusou de dois crimes: aliciamento para prostituição e de aliciamento para relações sexuais com menor. Em 2008, ele foi condenado a 18 meses em uma prisão estadual.
No entanto, Epstein foi libertado pouco tempo depois e autorizado a trabalhar em um escritório onde continuou suas operações de tráfico sexual.
Em 2018, novas revelações de algumas das vítimas de Epstein levaram a uma investigação federal. Epstein enfrentou sérias acusações criminais de tráfico sexual de menores. Ele foi detido sem possibilidade de ser libertado sob fiança.
Enquanto aguardava o início do julgamento, Epstein se enforcou em sua cela, agosto de 2019. Sua cúmplice, Maxwell, que participou da aliciação sexual de menores, foi posteriormente considerada culpada de colaboração na rede de tráfico sexual e sentenciada a 20 anos de prisão.
No entanto, o Departamento de Justiça decidiu que não havia provas suficientes para acusar outras pessoas no caso. Tampouco encontraram qualquer fundamento para os rumores, alimentados pela extrema direita, de que Epstein teria sido assassinado por alguém que ele estava chantageando ou a mando de uma figura influente do Partido Democrata envolvida em escapadas sexuais ilícitas.
Nada melhor para alimentar uma conspiração da direita do que apontar o dedo para os democratas que supostamente protegiam aliados poderosos.
Na campanha eleitoral de 2024, Trump prometeu divulgar todos os arquivos de Epstein. Apoiadores republicanos fervorosos, incluindo Kash Patel, que foi nomeado diretor do FBI após a eleição de Trump, ecoaram o apelo.
Em fevereiro deste ano, a Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, divulgou 200 páginas de documentos e garantiu aos seguidores de teorias da conspiração que tinha a lista de clientes de Epstein em sua mesa, pronta para revisão.
No entanto, embora Bondi prometesse divulgar mais documentos, ela também ordenou ao FBI que verificasse em que medida o nome de Trump aparecia nos arquivos de Epstein. Em maio, ela informou ao presidente que seu nome constava na documentação.
Quando Elon Musk rompeu com Donald Trump em junho, ele alertou o mundo nas redes sociais que o nome de Trump estava nos arquivos de Epstein. Isso gerou uma onda de especulações e uma demanda crescente pela divulgação dos arquivos. De repente, seus apoiadores mais fervorosos dentro do novo governo mudaram de opinião sobre os arquivos de Epstein.
Em julho, Bondi anunciou que não havia lista de clientes nem provas para indiciar nenhum outro cliente de Epstein.
Mas a crise não desapareceu, apesar da insistência contínua de Trump de que tudo era uma farsa. Convergiram três forças políticas poderosas, comprometidas em revelar mais informações sobre o caso.
Vítimas e seus familiares foram ao Congresso para contar suas histórias sobre os abusos que Epstein e outros cometeram. Um pequeno grupo de republicanos exigiu a divulgação de todos os arquivos, depois de anos ouvindo a extrema direita insistir que o “estado profundo”, ou seja, os democratas na burocracia governamental, estavam acobertando uma grande conspiração.
Finalmente, os democratas perceberam que a campanha de Trump contra a divulgação de documentos devia significar que Trump estava escondendo algo. Eles também se juntaram a um punhado de republicanos na exigência da divulgação dos arquivos.
Na vanguarda desse esforço estava o Comitê de Supervisão da Câmara dos Representantes, no qual alguns republicanos se uniram aos democratas para pressionar a Casa Branca a tornar os arquivos públicos. No entanto, o presidente da Câmara, Mike Johnson, bloqueou qualquer tentativa de levar a proposta à votação em plenário.
Em resposta, democratas da Câmara iniciaram um procedimento, conhecido como petição de desobstrução, que forçaria uma votação no plenário se a maioria dos membros assinasse a solicitação.
Quatro republicanos abandonaram o presidente e incluíram seus nomes na petição. Entre eles estavam três das mulheres mais conservadoras da Câmara dos Representantes.
Como era de se esperar, Trump implementou sua forma padrão de ataque: ameaçar apoiar candidatos alternativos no Partido Republicano que poderiam se opor a esses rebeldes nas eleições primárias — e ameaçou os expulsar do cargo.
Uma das quatro, Nancy Mace, foi convidada à Casa Branca e pressionada a retirar seu nome da petição. Ela se recusou, e Trump prontamente prometeu apoiar um candidato republicano alternativo contra a candidatura de Mace ao governo da Carolina do Sul.
Outra signatária da petição, Marjorie Taylor Green, conhecida por sua defesa de teorias da conspiração da extrema direita, também rompeu com Trump e se recusou a retirar seu nome. Posteriormente, ela anunciou que não buscará a reeleição para evitar uma batalha interna complicada dentro do Partido Republicano sobre a sua candidatura.
Quando, após um atraso de 50 dias, o presidente da Câmara, Mike Johnson, finalmente empossou a democrata do Arizona, Adelita Grijalva, ela se tornou a 218ª pessoa a assinar a petição de desobstrução, forçando uma votação de todo o plenário. Apesar da firme oposição de Trump à votação na Câmara, de repente ficou claro que de 50 a 100 republicanos poderiam quebrar fileiras e votar a favor da resolução.
Percebendo que ele estava enfrentando uma derrota embaraçosa, Trump rapidamente reverteu sua posição, pedindo que o projeto de lei fosse aprovado. Ele então o assinou discretamente, sem a presença da imprensa.
Ao mesmo tempo, Trump pediu uma investigação aberta do Departamento de Justiça alegando o envolvimento do ex-presidente Clinton nas operações de tráfico sexual de Epstein. Ele também alegou que Barack Obama e o “estado profundo” inventaram a farsa de Epstein para desacreditá-lo.
Enquanto isso, o vice-procurador-geral Todd Blanche, ex-advogado particular de Trump, entrevistou a criminosa condenada Maxwell por dois dias. Em seu depoimento, ela insistiu que nunca viu Trump em uma situação sexual comprometedora e que ele e Epstein não eram amigos íntimos, embora outros documentos recentemente liberados sugiram o contrário.
Uma semana depois, Maxwell foi transferida para uma prisão de segurança mínima e recebeu tratamento especial. Parece claro que, em troca de seu silêncio, ela espera que Trump a perdoe. De fato, ela já está preparando uma petição.
Na campanha eleitoral de 2024, Trump prometeu divulgar todos os arquivos de Epstein. Eleito, a situação mudou.
Caso Epstein: o que vem a seguir?
Agora que os arquivos de Epstein estão programados para serem divulgados, é possível que o Departamento de Justiça anuncie que muitos dos documentos não podem ser tornados públicos porque Bondi iniciou uma nova investigação contra os democratas. É uma manobra típica de Trump para adiar o assunto até que ele desapareça, e ao mesmo tempo tentar distrair o público com outros comentários ultrajantes ou novas iniciativas audaciosas.
Contudo, por mais que ele se esforce, a crise Epstein não vai desaparecer. Os ataques virulentos de Trump contra políticos que antes eram seus apoiadores mais leais contribuíram para essa fissura dentro do Partido Republicano. Alguns republicanos aprenderam a se opor a Trump, ainda que apenas nessa questão.
A popularidade de Trump continua a se deteriorar. O escândalo Epstein contribuiu especialmente para a queda no apoio entre os republicanos. Embora ainda falte um ano, os novos índices de desaprovação de Trump sugerme que seu partido pode perder as eleições para o Congresso em 2026, abrindo caminho para esforços mais eficazes para bloquear as investidas do presidente em direção ao autoritarismo.