Análise crítica do estudo de impacto ambiental do colapso da mina 18 em Maceió/AL

Por Neirevane Nunes – Bióloga e doutoranda no Programa de Pós-graduação Sociedade,
Tecnologias e Políticas Públicas (SOTEPP/UNIMA)

O presente artigo realiza uma análise crítica do “Estudo para Identificação e Avaliação de Impacto Ambiental do Colapso da Cavidade M#18D”, elaborado pela Tetra Tech em trabalho de consultoria a Braskem. O documento foi protocolado junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) em abril de 2025, e tem por finalidade avaliar os impactos ambientais decorrentes do colapso da mina 18 na Laguna Mundaú em Maceió, ocorrido em dezembro 2023.

A Tetra Tech, é uma empresa de consultoria ambiental multinacional, que é responsável por diversos estudos técnicos contratados por empresas privadas como mineradoras em contextos de passivos ambientais. Embora a Tetra Tech possua reconhecida experiência técnica, ela tem sido objeto de questionamentos quanto à imparcialidade, especialmente quando contratada diretamente pela parte potencialmente causadora do dano, como é o caso da Braskem. Nesse sentido, é necessária uma leitura crítica do conteúdo e de suas omissões. O estudo em questão traz um importante volume de dados por meio do uso de ferramentas modernas de sensoriamento remoto, modelagem geofísica e bioensaios laboratoriais. Mas, apesar do mérito técnico, observa-se uma escolha discursiva que merece reflexão: ao invés de explicitar, de forma direta, transparente as possíveis relações entre os impactos observados e as atividades de extração mineral, o relatório recorre com frequência ao uso de expressões como “evento geológico”. Isso é um ponto problemático, pois esse recurso linguístico pode contribuir para uma narrativa que desvia do foco da atividade de mineração de Sal-gema e da responsabilidade da Braskem.

Impactos Reais e Tentativas de Invisibilização

O documento técnico aponta, ainda que com reservas, impactos significativos sobre o meio físico e biótico. Entre os mais relevantes estão:

Após o colapso da Mina 18, pescadores denunciaram a morte de peixes na Laguna Mundaú, nas proximidades da região de colapso da mina. Em resposta à pressão popular, pesquisadores da UFAL e técnicos do IMA realizaram coletas e análises da água. Em coletiva de imprensa os resultados apresentados indicaram que não foram identificados impactos ambientais relevantes associados ao colapso da mina.
Representantes da UFAL e do IMA afirmaram que “não houve comprovação de impacto relevante relacionado ao colapso da mina” nas análises. As mortes de peixes foram atribuídas à poluição histórica da lagoa, incluindo esgoto, efluentes domésticos e industriais, além das condições climáticas locais. Embora o laudo técnico descarte relação direta com a mineração, a desconfiança persiste entre os atingidos e especialistas independentes e ainda mais agora após o conhecimento sobre o Relatório da ANM sobre o colapso da mina. Os estudos realizados pela Tetra Tech demonstram os impactos reais e relevantes decorrentes do colapso.

Apesar dessas evidências, o estudo recorre à tese da “variabilidade natural” para relativizar os resultados, o que é metodologicamente frágil e cientificamente inaceitável. O enquadramento do colapso da mina 18 como fenômeno geológico isolado desconsidera a intensa exploração mineral subterrânea de Sal-gema na região há mais de quatro décadas.
Silenciamento das Comunidades e Exclusão da Dimensão Social Talvez o ponto mais crítico do estudo seja a completa ausência de referência às comunidades afetadas. Nenhuma linha é dedicada às populações atingida. A remoção forçada de moradores, a perda da pesca artesanal e a destruição de redes sociais e culturais sequer são consideradas como parte do impacto ambiental. Essa visão tecnocrática do estudo ambiental que separa a natureza da sociedade, ignorando as comunidades atingidas é reprovável hoje na academia que trabalha com a
interdisciplinaridade, portanto o ambiente e sociedade são indissociáveis.

A Política da Negação

A Braskem, por meio do estudo feito pela Tetra Tech, propôs que o colapso da cavidade M#18D teria provocado um “preenchimento natural” da área, com entrada de sedimentos e água. A empresa afirma que isso teria estabilizado a mina, tornando desnecessárias novas ações de fechamento, o que é tecnicamente questionável, pois a própria ANM orienta que uma mina instável deve passar por fechamento seguro e receber monitoramento. O que se observa é uma tentativa de transformar um colapso que é resultado de um crime ambiental em um “processo de preenchimento natural”, mascarando o que ocorreu e burlando o princípio da reparação integral.

Essa proposta da Braskem de alterar o método de fechamento da mina para considerar o colapso como “natural” é uma afronta à inteligência técnica, à justiça ambiental e às próprias pessoas atingidas. É a institucionalização da negação, numa tentativa de encerrar o caso como se fosse parte do ciclo normal da geologia da região, o que sabemos que na realidade não é. Trata-se de um precedente perigoso que pode enfraquecer o sistema de responsabilização ambiental no Brasil, juntamente com as alterações que estão dentro do Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação.

É importante a realização de estudos independentes, com a participação de universidades, instituições de pesquisa, organizações sociais e comunidades atingidas. E a partir desses estudos independentes estruturar uma Matriz de Danos como foi feito em Minas Gerais nos casos de Mariana e Brumadinho. Só com diagnósticos reais podemos ter a dimensão do dano que precisa ser reparado. O grande erro no início das tratativas da força tarefa com a mineradora foi justamente ter firmado um acordo antes dos diagnósticos. E hoje o que vemos são diversas realidades que ficaram de fora desse acordo, violações de direitos e sofrimento continuo de comunidades atingidas que buscam via Defensoria Pública do Estado o direito a reparação integral.

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