Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, de Giovana Girardi, que está em Belém cobrindo a COP30. Durante o evento, as edições serão enviadas ao longo da semana, conforme as atualizações da conferência climática — e não mais fixamente às quintas-feiras. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Desde que assumiu a presidência da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago disse diversas vezes ao longo deste ano que esperava que a conferência realizada em Belém – que terminou neste sábado (22 de novembro) – conseguisse fortalecer o multilateralismo. Em um contexto geopolítico mundial conturbado, parecia que juntar quase 200 países para avançar nos esforços para combater a crise climática seria uma tarefa impossível.
Em sua última fala na plenária de encerramento, Corrêa do Lago disse que foi “muito bom ver que o multilateralismo está vivo e consegue entregar resultados às pessoas”. Sim, depois de duas semanas em que absolutamente tudo aconteceu e depois de haver várias chances para que esse processo colapsasse, os países foram capazes de, juntos, promover alguns avanços importantes. Mas não à altura da velocidade com a qual a crise climática avança e o ritmo com que ainda pioramos as condições para a vida na Terra.
Em 30 anos de conferências do clima, um passinho de cada vez, é claro que é inegável que o mundo se mobilizou em torno de tentar resolver o aquecimento global. A adoção do Acordo de Paris há dez anos, que definiu que todos os países deveriam agir para conter a elevação da temperatura, abriu o caminho para que fontes renováveis ganhassem impulso. E, pela primeira vez, neste ano, gerassem mais energia que o carvão.
Mas os combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelo aquecimento do planeta, ainda contam com planos de expansão. As emissões de gases de efeito estufa ainda devem encerrar o ano com crescimento de cerca de 1%, quando elas já deveriam estar caindo. Agências meteorológicas afirmam que o planeta muito provavelmente vai ultrapassar o limite de 1,5 °C de aquecimento em relação aos níveis pré Revolução Industrial, nos próximos anos.
Só que as conferências do clima não têm conseguido encarar de frente as raízes desse problema. Foram necessários 28 anos para que, pela primeira vez, os países topassem incluir – como parte dos esforços globais para reduzir as emissões a fim de conter o aquecimento global em 1,5 °C –, a necessidade de fazer a “transição para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa”.
A decisão, celebrada como “o começo do fim” dos combustíveis fósseis, não teve, no entanto, mais nenhum encaminhamento dentro do processo das conferências de clima. Depois de fazerem esse acordo na COP de Dubai, em 2023, os países não conseguiram voltar a falar do assunto de modo formal. Isso nunca entrou na agenda de negociação da COP30, em Belém.
Ainda assim, esse foi o tema que balançou a conferência. O presidente Lula, em que pesem as contradições internas do Brasil, elevou a barra ao fazer um apelo, ainda na Cúpula de Líderes, que antecedeu a COP, que as nações se esforçassem para construir “mapas do caminhos” para superarmos a “dependência dos combustíveis fósseis” e também para zerar o desmatamento em todo o mundo.
Ele repetiu isso algumas vezes. E chegou a voltar a Belém na metade da segunda semana de COP para reforçar a mobilização. Enquanto isso, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, conseguia apoio de outros países para o pleito. O tema acabou ganhando tração.
Colômbia, outros países da América Latina e da Europa, assim como alguns africanos e países-ilha começaram a defender que o mapa do caminho estivesse contemplado de algum modo no texto. Uma menção chegou a entrar em um primeiro rascunho, saiu no segundo, por pressão de um grupo de cerca de 80 países, com Arábia Saudita, Índia e Rússia à frente.
União Europeia, ao resolver comprar a briga, chegou a ameaçar abandonar as discussões se a menção não fosse feita – o que chegou a ser visto como um truco muito mal elaborado porque eles queriam se livrar de outro pepino das COPs: financiamento dos países ricos para os mais pobres. No final das contas, o mapa do caminho não entrou no documento final.
Quer dizer, o mundo concordou em 2023 que precisa fazer a “transição para longe dos combustíveis fósseis”, mas é incapaz de estabelecer um caminho para isso.
Um começo de caminho. Um ponto de partida. Lula, ao voltar para Belém na quarta-feira (19 de novembro), explicou para a imprensa o que tinha em mente. Provavelmente o que ele disse aos representantes dos países que se reuniram com ele.
“É preciso a gente mostrar para a sociedade que nós queremos, sem impor nada a ninguém, sem determinar o prazo, que cada país seja dono de determinar as coisas que ele pode fazer dentro do seu tempo, dentro das suas possibilidades. Mas [precisamos mostrar] que nós estamos falando sério. É preciso que a gente diminua a emissão de gás de efeito estufa. E se o combustível fóssil é uma coisa que emite muitos gases, nós precisamos começar a pensar como viver sem combustível fóssil. E construir a forma de como viver”, disse.
Lula ainda quis mostrar que tinha propriedade para defender isso justamente porque o Brasil também tem petróleo e “extrai 5 milhões de barris de petróleo por dia”. E respondeu às possíveis críticas à proposta ao se amparar no funcionamento das conferências. “Que a gente consiga convencer, porque numa COP a gente não impõe nada. Tudo tem que ser por consenso. Tudo tem que ser muito conversado. Nós respeitamos a soberania política, ideológica, territorial e cultural de cada país. Não queremos impor nada. Queremos apenas dizer, é possível. E se é possível, vamos tentar construir juntos.”
Bem… a verdade é que muita gente não se convenceu, as negociações travaram e a menção ao mapa do caminho foi retirada. Num processo que depende de consenso para as coisas serem aprovadas, se alguns não querem e jogam sujo bloqueando o resto do que está em negociação, a coisa simplesmente não vai para frente. A coisa, no caso, é a principal causa do aquecimento global.
Nem sequer as palavras combustíveis fósseis apareceram.
Curiosamente, até uma parte da sociedade civil se mostrou contra a ideia da forma como ela chegou a ser proposta, de ser estabelecido um workshop ou uma mesa redonda ministerial para discutir o tema no ano que vem. Ou seja, já era, também, quase nada.
“Estamos aqui, com a União Europeia alegando ser líderes neste momento da COP, declarando que vão abandonar as negociações se não conseguirem incluir o mapa do caminho. Não há materialidade para este mapa do caminho e, por outro lado, deveríamos olhar a própria conduta deles em expandir os combustíveis fósseis. Eles não ofereceram nada que o sul global precisa. Então dizemos, como sociedade civil, que estamos absolutamente infelizes com a conduta da União Europeia e outros países em desenvolvimento que querem ser líderes, mas ainda não fizeram nada nesse sentido”, afirmou Tasneem Essop, diretora-executiva da Climate Action Network (CAN), rede global de ONGs para o clima.
A declaração foi feita na sexta à noite, quando as negociações já entravam na hora extra e não havia previsão de acabar. A CAN brigou muito para que a COP terminasse com resultado em outro tema, a adoção do mecanismo de transição justa – plataforma para que os países possam compartilhar experiências bem-sucedidas de políticas de transição que considerem os impactos sobre os mais vulneráveis.
A luta, como explicou Essop, era para que a COP entregasse justiça. Dentro do conceito de uma transição energética justa, que coloque no centro das políticas, por exemplo, os trabalhadores que podem vir a perder seus empregos com o fim dos fósseis.
Dá para dizer que, da “transição justa”, a COP entregou, de certa maneira, a segunda parte (“justa”), mas falhou em entregar a primeira – como, de fato, vai ser feita a transição.
Sem esse acordo, e para oferecer algum tipo de resposta a quem vinha pedindo por mais ambição na COP, Corrêa do Lago se comprometeu a conduzir, por conta própria, uma discussão sobre mapas do caminho para o fim dos fósseis e para zerar o desmatamento em todo o mundo no ano que vem. Um processo paralelo, que não tem nada a ver com a Convenção do Clima, mas com o intuito de manter o debate em curso.
“Com o espírito do mutirão, nós vamos chamar diálogos de alto-nível com organizações internacionais chave, governos de países produtores e consumidores, indústria, trabalhadores, especialistas, sociedade civil e nós vamos reportar de volta para essa COP”, afirmou durante a plenária de encerramento.
O plano deve se conectar com uma proposta feita por Colômbia e Holanda, que vão organizar, em abril de 2026, uma conferência para eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
Não é algo que obrigatoriamente vai refletir no processo negociador das COP. Mas ideias incríveis podem surgir ao longo desses debates no ano que vem. Ou, ao menos, bons diagnósticos e prognósticos. A saída é honesta e condizente com o que a presidência da COP buscou dizer ao longo deste ano, de que precisamos de implementação para além dos muros das conferências de clima.
Só que isso tudo realmente precisa ser traduzido em ações. É o que grita a ciência. Encerro este texto e a cobertura desta COP com o que afirmou um grupo de cientistas, liderados pelo climatologista Carlos Nobre, que durante toda a COP buscou levar a ciência aos negociadores.
“A verdade é que não há como evitar um perigoso aumento da temperatura global sem acabarmos com a dependência de combustíveis fósseis até 2040, ou no mais tardar até 2045. Não cumprir isso empurrará o mundo para uma perigosa mudança climática dentro de 5 a 10 anos, causando extremos climáticos cada vez mais intensos que afetarão bilhões de pessoas”, afirmaram.
“Como cientistas, sabemos que os seres humanos são capazes de feitos extraordinários. Aqui em Belém, muitos países mostraram que estão prontos para se libertar do domínio e dos perigos dos combustíveis fósseis. Esses serão os vencedores do século XXI. Agora é hora de nos unirmos em um Mutirão dos que estão dispostos a liderar o caminho.”
