Empresa é condenada por racismo religioso após demitir funcionário

A Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) condenou a empresa de serviços públicos de limpeza urbana Valor Ambiental por racismo religioso contra um funcionário. A decisão foi publicada na última quarta-feira (23/7).

O funcionário prestou serviços para a Valor Ambiental como varredor de rua em São Sebastião entre outubro de 2019 e novembro de 2023. Ele, que é umbandista, conta à Justiça que, em determinada ocasião cuja data não foi mencionada, uma colega perguntou ao depoente se na casa dele havia caveira e galinha morta.

Em outro episódio, um fiscal evangélico disse ao funcionário que, quando Jesus voltasse, ele iria para o inferno por conta da religião dele.

Após ter sofrido racismo religioso nos dois casos, a vítima se queixou a superiores, mas nenhuma medida teria sido tomada. Cerca de um ano após denunciar os episódios, o rapaz foi demitido.

Em sentença de 1º Grau, o juiz Acelio Ricardo Vales Leite, da 9ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou a Valor Ambiental por não ter tomado providências. Ambos recorreram à decisão — a empresa queria reverter a condenação, e o trabalhador pedia aumento da indenização definida.

Ao analisar os recursos, o desembargador  Pedro Luís Vicentin Foltran julgou procedente o pedido do funcionário, fixou indenização de R$ 15 mil por danos morais e decidiu que a Valor Ambiental deverá pagar seis salários do trabalhador com valor dobrado — o funcionário ganhava R$ 1.462,99 mensais. O magistrado julgou improcedente o recurso da empresa.

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Invisibilização da população negra no Brasil

Ao embasar o voto, o desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran destacou que “para compreender o racismo religioso é imprescindível falarmos sobre o racismo no Brasil”. O magistrado citou que a “expansão colonial europeia […] trouxe consigo o racismo […], um processo sistemático de negação de humanidade daquela pessoa a quem […] era classificada como ‘o outro’, com o objetivo de explorá-lo e dominá-lo.”

De acordo com o relator, com a colonização foram difundidas distinções entre “pessoas civilizadas e selvagens”, tendo como padrão o “homem europeu”. Aos poucos, essas ideias justificariam teses de inferioridade de pessoas negras bem como de toda cultura afrodescendente.

Para o magistrado, “a invisibilização da população negra no Brasil foi e segue sendo um projeto estruturado pelo racismo”. Não houve apenas a tentativa de branquear a população no período pós-colonial, com o fomento da imigração europeia, “mas também houve a criminalização da cultura afro”, salientou em voto.

“É nesse contexto de racismo estrutural e de apagamento da cultura e das tradições negras que devemos olhar de perto o caso em tela. A violência verbal também é violência e, para além de um simples xingamento, o reclamante, seguidor da Umbanda, sofreu racismo religioso por não professar religiões eurocêntricas advindas do cristianismo”, ressaltou o relator do processo.

Com esses fundamentos o magistrado destacou que a omissão da Valor Ambiental diante de atos de racismo religioso configura violação à dignidade do trabalhador e impõe a responsabilização civil da empresa. A decisão foi unânime.

O Metrópoles tentou contato com a Valor Ambiental, sem sucesso até a publicação da reportagem. Caso a empresa se manifeste, o texto será atualizado.

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