A megaoperação realizada esta semana contra lideranças e integrantes do Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, levanta a questão sobre até onde pode chegar o poder de uma organização criminosa.
Apesar da operação ter acontecido no Rio de Janeiro, as maiores facções crimonosas do país — CV, e o Primeiro Comando da Capital (PCC) — , estão espalhadas no Brasil inteiro com seus faccionados, assim como no Distrito Federal. Entretanto, apesar do registro de atuação dos grupos na capital, o quadradinho segue fora da lista de territórios dominados pelas grandes facções do crime organizado.
De acordo com o estudo “Caracterização da atuação das facções prisionais-criminais na região Centro-Oeste” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “a forte estrutura estatal atuante na capital” acabou por concentrar o sistema prisional e “apresentar eficiência na organização de um enfrentamento aos grupos criminais” que mais representavam problemas de segurança pública no Brasil, como o PCC.
“Não é possível apontar a relevância delas [facções criminosas] nas dinâmicas urbanas, na violência e nos mercados ilícitos. Sem têm tido êxito em se estruturar e, ao enfrentarem a ‘eficiência’ da polícia na proteção ao ‘quadradinho’, esses grupos acabaram ocupando posição lateral. “
Para o especialista em segurança pública Renato Araújo, o controle ocorre de várias formas, sejam elas diretas ou indiretas, a exemplo das políticas públicas de prevenção, que atuam na desarticulação de redes logísticas, em que a inteligência mapeia atores e fluxos financeiros, antes delas escalarem.
“Fatores estruturais e institucionais, como o ecossistema policial, com forte capacidade de resposta e inteligência; o sistema prisional relativamente centralizado; e o histórico de monitoramento e segmentação de presos, que tende a dificultar a governança faccional intramuros, reduzem a viabilidade do domínio territorial por facções”, completou.
Ele destaca que o fator do ecossistema policial, que se trata da integração operacional entre as corporações militares do DF – Polícia Civil (PCDF), Militar (PMDF) e Penal (PPDF) – é o que diferencia o trabalho de segurança e controle de facções no estado em comparação com os outros estados presentes na lista de territórios dominados.
Isso porque, segundo o especialista, a consolidação dos centros de inteligência com protocolos de compartilhamento de dados é uma tradição das operações em conjunto das corporações. Esta ação, inclusive, fez com que o governador Ibaneis Rocha colocasse a inteligência da PCDF à disposição do Rio de Janeiro, a fim de auxiliar no prosseguimento das investigações.
“A lição exportável está em quatro eixos: coordenação real entre forças; foco em lideranças e fluxos de dinheiro; resposta rápida a eventos críticos; e métricas públicas de desempenho com correção de rota contínua. Estados que replicam essa governança integrada, gestão prisional ativa e rastreamento patrimonial, como o DF, tendem a reduzir a margem de manobra faccional”, explicou.
O Metrópoles acionou a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) e o secretario da pasta, Sandro Avelar, para saber mais informações a respeito das ações da secretaria, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para atualizações
Leia também
Controle da crescente das organizações criminosas
Desde 2019, o DF passou a receber lideranças de detentos considerados de altíssima periculosidade e foram confinados na Penitenciária Federal de Brasília. O caso mais emblemático foi a prisão de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, identificado como líder máximo do PCC.
Este fator faz com que as ações das organizações se aproximam cada vez mais da capital devido à transferência de grandes nomes desses grupos. O também especialista em segurança pública, Nelson Gonçalves destaca que os elementos dos crimes acompanham o chefe das facções aonde quer que ele vá.
“Funcionam como interlocutores dos que estão de fora com os que estão dentro das prisões. Isso traz, obviamente, uma série de orientações da parte do comando dessas organizações para que haja determinadas ações, que podem incluir a aquisição e disponibilização de armas.”
Com o encaminhamento desses criminosos de renome às prisões do DF, a rivalidade entre as facções continua a ser alimentada, gerando disputas territoriais até mesmo dentro dos presídios, ocasionando um monitoramento constante no sistema carcerário e ações de controle do aumento de faccionados.
A ação da interceptação dos bilhetes, por exemplo, é um controle de monitoramento comum nos presídios, a fim de evitar o repasse de informações e ordens a serem cumpridas tanto dentro da prisão, quanto fora dela, assim como as disputas territoriais das facções rivais.
Um caso a ser relembrado que retrata essa ação foi uma carta escrita por um integrante do PCC dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, que revelava um pedido de socorro e receio do grupo do Marcola de ser massacrado pelos integrantes do CDC.
Segundo o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri), há uma tentativa e avanço que vem sendo coibida pela pronta e efetiva atuação das forças de segurança. Como ação de controle, é realizada uma fiscalização constante do sistema penitenciário do DF, com “medidas preventivas, com foco na preservação da ordem e da segurança no ambiente prisional, como a administração da alocação dos internos.
Renato ressalta que as políticas administrativas de separação criteriosa de presos por perfil de risco, além de outras medidas como o bloqueio efetivo de comunicação ilícita e a inteligência penitenciária integrada à investigação constante, é o fator-chave do modelo de gestão penitenciária para evitar o fortalecimento das facções.
“Essa constância de pressão e precisão operacional é o que mantém o DF fora do mapa de dominação faccional”, destacou.
As facções no DF
Em 2024, o Metrópoles listou as principais facções que atuam na capital. Segundo o Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), a presença dos grupos na capital permanece a mesma.
O principal atuante na capital é o Comboio do Cão (CDC). Por alguns anos, o grupo criminoso, que se originou no Distrito Federal, atuou de maneira quase isolada dentro dos limites da capital da República. No entanto, as facções nacionais aumentaram sua teia de influência e chegaram a Brasília e seus arredores, e tentam a continuar a crescer.
Veja as facções listadas que têm algum tipo de vínculo com o DF:
7 imagens



Fechar modal.
1 de 7
Primeiro Comando da Capital (PCC)
Arte/Metrópoles
2 de 7
Comando Vermelho (CV)
Arte/Metrópoles
3 de 7
Terceiro Comando Puro (TCP)
Arte/Metrópoles
4 de 7
Comboio do Cão (CDC)
Arte/Metrópoles
5 de 7
Amigos do Estado (ADE)
Arte/Metrópoles
6 de 7
Família do Norte (FDN)
Arte/Metrópoles
7 de 7
Guardiões do Estado (GDE)
Arte/Metrópoles
Em um último dado fornecido pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF), no primeiro semestre deste ano, integrantes do PCC, CV e CDC somam cerca de 480 detentos – 200 do PCC, 200 do CDC e 80 do CV – dos mais de 15 mil detentos das penitenciárias da capital.
O pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), Wellinton Caixeta Maciel, explica que a tentativa da crescente dessas facções vem acontecendo em virtude que os focos dos grupos alteraram conforme a adaptabilidade deles.
“Há alguns anos, temos observado a adaptação da criminalidade às oportunidades que parecem mais propícias para expansão do domínio e fortalecimento das facções criminosas, infiltrando em setores de interesse do Estado”, destacou.
Segundo o Ipea, um dos fatores que influencia esse cenário se dá em razão da “segregação urbana das classes mais pobres” das regiões administrativas do DF comparado ao Plano Piloto, considerado uma “espécie de cinturão de segurança”, conforme o estudo.
“Essas facções tem relação com a precariedade da fiscalização e com a potencialidade da ampliação da ramificação do crime organizado e sua interiorização pelo país, o que acaba por gerar uma estrutura para lavagem de dinheiro e outros crimes, cooptação de membros e outros fatores”, ressaltou.