A Associação dos Aposentados do Brasil (AAB), uma das organizações investigadas no caso que ficou conhecido como a farra do INSS, é presidida pelo motorista Dogival José dos Santos. O homem, que assinou acordo de cooperação entre a AAB e o INSS em 2023, foi convocado a prestar depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS (CPMI), que apura as fraudes.
Em um processo ao qual o Metrópoles teve acesso, Dogival solicitou ao próprio Instituto Nacional do Seguro Social, em 2017, direito à aposentadoria compulsória após adquirir “hérnia de disco”. Na ação, o homem diz que era “motorista e que sempre trabalhou em atividades braçais”. Ele também declarou ter apenas o “segundo grau”, além de “idade avançada”.
O benefício foi concedido ao presidente da organização, que agora move outro processo contra o INSS para atualização do valor de sua atual aposentadoria.
Enquanto a ação de Dogival tramita na Justiça Federal, o nome dele é mencionado na CPMI do INSS. Além da convocação, em 6 de novembro, deputados e senadores pediram a quebra de sigilo bancário e fiscal do homem e da esposa dele, que também é sócia da Associação dos Aposentados do Brasil.
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Para além da AAB, Dogival também preside uma igreja. A reportagem apurou que ele é o criador da Crusada Nacional de Evangelismo – registrada com S no lugar do Z -, que opera sob o nome fantasia “Primeira Igreja Pentecostal Cristo a Esperança”. Conforme dados disponibilizados por Dogival à Receita federal, a instituição religiosa funciona em Ceilândia.
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Reprodução
Uma segunda pessoa vinculada à associação dos aposentados do Brasil é Lucineide dos Santos Oliveira, presidente da Igreja Evangélica Pentecostal Ministério Visão de Deus, localizada no Recanto das Emas, a cerca de 32 km da capital do país.
No nome de Lucineide também constam, na mesma região administrativa, pelo menos outras cinco empresas, são elas: Impacto, R & D Segurança, Solution Serviços de Locação, Expresso Serviços de Publicidade e Prospera Produtos. Os empreendimentos oferecem desde comércio varejista à locação de carros e atividades de apoio à agricultura.
Estranhamente, os CNPJs em nome de Lucineide estão localizadas no mesmo endereço de empresas pertences a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Confederaçao Nacional dos Agricultores e Empreendedores Familiares (Conafer) – outra instituição envolvida na fraude do INSS. Uma das companhias de Samuel, inclusive, supostamente funciona no mesmo lugar onde está a igreja fundada por Lucineide.
O Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.
Uma terceira pessoa vinculada à Conafer, identificada como Cícero Marcelino de Souza Santos, também tem empresas funcionando no mesmo endereço dos empreendimentos de Lucineide e Samuel. Os empreendimentos em questão são Nobre Eventos e Cunha e Santos Locações, que não têm chamada na fachada do edifício onde supostamente estariam localizados, de acordo com documentos lançados na Receita Federal.
Cícero, que chegou afirmar durante a CPMI que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS, é assessor de Carlos Roberto Ferreira Lopes, presidente da Conafer.
Em 16 de Outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e os repassava, além de negar conhecer Samuel Chrisostomo.
Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.
Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranja”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
Programa previdenciário
A Conafer divulga, no site da confederação, o Programa +Previdência Brasil, que, segundo a página, visa dar publicidade a informações sobre a educação previdenciária e o INSS Digital. As iniciativas incluem cursos sobre benefícios, de modo a auxiliar os interessados a reivindicarem os próprios direitos.
O site também detalha que não há custo nesse processo. “As associadas não receberão remuneração advinda do INSS nem dos usuários pela execução do serviço, não sendo impedidas de cobrar a mensalidade associativa do beneficiário do serviço”, diz o portal.
A investigação da CGU demonstrou, porém, que a situação não era como a Conafer fazia parecer. Os auditores ouviram 56 pessoas, em 16 unidades da Federação, que tiveram descontos feitos pela confederação. Nenhuma das vítimas havia autorizado o repasse.
A controladoria acrescentou que 621.094 aposentados tiveram desconto nos pagamentos ligados à Conafer só no primeiro trimestre de 2024.
AAB pediu desconto a pessoa morta
A Associação dos Aposentados do Brasil solicitou o desconto em benefício de pessoas mortas há décadas. Levantamento feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que a AAB, sediada em Brasília, solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.
Foi o caso, por exemplo, de Jaime dos Santos, morto em 25 de outubro de 2002, aos 46 anos de idade. Mesmo assim, a entidade pediu, em março de 2024, isto é, mais de duas décadas depois, o cadastro dele na lista de descontos do INSS.
“Trata-se de conduta que, em tese, configura tentativa de burlar os controles da Administração Pública”, explica a CGU. “Os fatos constituem forte indício de atuação fraudulenta, na medida em que supostamente revela a inexistência de qualquer manifestação válida de consentimento por parte do beneficiário”, prossegue o órgão controlador.
O outro lado
O Metrópoles tentou contatar as pessoas mencionadas no texto por meio de e-mail e por telefone, mas não obteve retorno até a última atualização. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
