A 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto (GO) decidiu, nesta terça-feira (5/8), remeter à Justiça Federal a competência sobre a região da fazenda Antinha de Baixo. A medida, portanto, impede o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) de autorizar novas desocupações no povoado que abriga cerca de 400 famílias.
A decisão vem dois dias após o Metrópoles noticiar, em primeira mão, as derrubadas no local. Cerca de 1,6 mil pessoas corriam o risco de ficar sem ter onde morar após o TJGO determinar cumprimento de medida que dava as terras a apenas três herdeiros. Uma das herdeiras, já falecida, é Maria Paulina Boss, tia do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
A decisão desta terça-feira (5/8) impede novas ordens de despejo, mas não anula as determinações anteriores. Portanto, os 32 imóveis que foram desocupados desde essa segunda-feira (4/8) seguem sob a posse dos herdeiros acima citados. Alguns, inclusive, foram derrubados por tratores.
Para remeter os autos à Justiça Federal, a juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto (GO), levou em consideração o fato de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pedir para atuar no processo como assistente. Isso porque os moradores de Antinha de Baixo alegaram que aquela região foi ocupada por comunidade tradicional quilombola há cerca de 400 anos.
“Em um primeiro momento, entendi que tal fato, por si só, não seria suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. Ocorre, entretanto, que houve recente intervenção do Incra”, pondera a juíza Ailime Martins. “A manifestação formal da autarquia federal […] impõe, como medida de prudência e regularidade processual, a remessa dos autos à Justiça Federal”, prosseguiu a magistrada.
Caso fique comprovado que a região foi habitada por cidadãos escravizados em séculos passados, cabe somente à Justiça Federal definições jurídicas sobre a área, como estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014.
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Desocupação e derrubada
Apesar da decisão favorável aos moradores nesta terça-feira (5/8), várias famílias já perderam suas casas, uma vez que a ordem para desocupar os imóveis na Antinha de Baixo começou a ser cumprida na segunda-feira.
Por volta das 6h, viaturas da Polícia Militar de Goiás (PMGO) e seguranças privados do empresário Murilo Caiado, filho de Maria Paulina Boss e primo do governador Ronaldo Caiado, começaram a ocupar o local. Três horas depois, oficiais de Justiça começaram a desapropriar as residências.
Sem ter para onde ir, as famílias tiveram de ser ágeis para evitar que tratores destruíssem plantações e bens materiais. “Sem contar os nossos animais. Perdi minhas galinhas, tive que deixar meus peixes com um vizinho, que foi considerado vulnerável e deve continuar na casa por um tempo”, conta a agricultora familiar Katleen Silva, de 38 anos.
Katleen Silva chora durante desocupação
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Katleen Silva, 38 anos
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Maria das Graças Souza não teve a mesma sorte de ser classificada como vulnerável, mesmo se recuperando de um acidente vascular cerebral (AVC)
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Famílias não tiveram outra opção a não ser observar a desocupação
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Por volta das 6h, policiais começaram a chegar na região
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Desocupação da fazenda Antinha de Baixo
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Murilo Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado
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Murilo Caiado liderou equipe que ajudava a desocupar as casas
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Empresário acompanhou de perto a desocupação
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Murilo Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado
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Empresário acompanhou de perto a desocupação
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Policiais e viaturas da Polícia Militar do Estado de Goiás
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Viaturas chegando ao local para iniciar a operação de desocupação
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Como Katleen mencionou, 16 pessoas foram consideradas vulneráveis pela Justiça e ganharam o direito de ficar em casa. Os critérios para definição de vulnerabilidade, no entanto, não foram detalhados.
A aposentada Maria das Graças Souza, 78 anos, não teve a mesma sorte de ser classificada como vulnerável, mesmo se recuperando de um acidente vascular cerebral (AVC). “Cheguei a ficar internada durante um mês”, relembra. Ela teve que sair de casa e enviar os pertences a um galpão improvisado pelas autoridades na região.
Assista aos relatos dos moradores:
O empresário Murilo Caiado seria um dos herdeiros das terras em questão. À reportagem, Murilo afirmou que os atuais moradores teriam sido enganados por antigos proprietários que venderam imóveis sem documentação.
Murilo acompanhou de perto a desocupação, ao lado de tratores, seguranças privados e assistentes braçais que ajudavam a retirar móveis das famílias, quando necessário.
Respostas
Em nota enviada após a publicação da primeira reportagem do Metrópoles sobre o caso, a Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo de Goiás alegou que “o governador Ronaldo Caiado não é parte do processo”. “Não cabe, portanto, comentário do governador sobre a decisão judicial”, afirmou.
“O eventual parentesco de 4º grau com uma das partes do processo não implica envolvimento do governador em qualquer ato, e por isso a citação do seu nome em reportagem sobre o assunto causa estranheza”, completou a Secom.