MP arquiva maioria das investigações contra policiais no Rio e em São Paulo

Apesar de o Brasil ter um dos maiores índices de letalidade policial do mundo, o Ministério Público (MP) arquiva a maioria das investigações sobre mortes cometidas por policiais. Apenas 8,9% dos procedimentos em São Paulo entre 2011 e 2023 resultaram em denúncia por parte do MP, enquanto no Rio de Janeiro o índice foi ainda menor: 3,6%. Ou seja, a grande maioria dos agentes que matam em operações nunca são responsabilizados.

O MP tem a obrigação de comandar investigações, pedir diligências, fiscalizar para evitar interferências indevidas e denunciar os acusados, que depois podem ser condenados. Também é de sua competência fazer controle externo das polícias, embora a Agência Pública já tenha mostrado que apenas uma minoria dos promotores acha que fiscalizar as polícias seja uma prioridade do órgão. Um estudo do Fórum Justiça divulgado na segunda-feira (21) levanta indícios de que essas prerrogativas não estão sendo cumpridas adequadamente.

A polícia paulista matou 8.416 pessoas no período analisado. Deste total, pouco mais da metade dos procedimentos abertos pelo MP foram finalizados, e em 691 houve denúncia dos acusados. No Rio de Janeiro foram 12.789 mortes provocadas por policiais. Dos 4.014 procedimentos concluídos, apenas 147 resultaram em denúncia. 

Também há lentidão: o MP demora em média dois anos para concluir uma denúncia em São Paulo, e mais de três no Rio. Os dados, porém, podem ser imprecisos, porque em muitos casos os promotores sequer relacionam a data do fato. Os números foram obtidos via Lei de Acesso à Informação e se referem apenas a casos não classificados como sigilosos.

“Os promotores não são os únicos responsáveis pelos altos números de letalidade policial no país, mas não dá para olhar para o fenômeno sem olhar para o papel do MP”, afirma Paulo Malvezzi, coordenador executivo do Fórum Justiça, responsável pelo estudo em parceria com Conectas Direitos Humanos, Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, IDEAS Assessoria Popular, Iniciativa Direito, Memória e Justiça Racial e Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

O levantamento também tentou verificar dados da Bahia, um dos estados com maiores taxas de violência policial do país. No entanto, o MP estadual não tem informações sobre mortes em decorrência de intervenção policial em seus sistemas internos, o que impossibilita a análise sobre a responsabilização de agentes.

O levantamento defende a criação de grupos especializados do MP para atuar no controle da atuação policial, como o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp). Apenas os estados de Rondônia, Tocantins, Goiás, Piauí, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul tinham esses grupos em fevereiro de 2025.

Mais de 6 mil pessoas perderam a vida no ano passado em operações policiais no país, segundo o Mapa da Segurança Pública, divulgado pelo Ministério da Justiça em junho. Apesar do número alarmante, o Brasil registrou uma queda de 4% de mortes em 2024 na comparação com o ano anterior. No Rio, a queda foi de 13%. São Paulo, porém, vai na contramão: houve um aumento de 61,31% no mesmo período. A maioria dos mortos pela polícia é de pessoas negras.

A Agência Pública já mostrou que menos de 5% dos promotores e procuradores do MP acreditam que fazer o controle externo das polícias é uma prioridade do órgão. Na reportagem, especialistas relataram que promotores preferem fazer acusações criminais e, como dependem do trabalho das polícias para isso, vão se sentir pouco confortáveis em abalar essa relação caso apurem possíveis abusos.

Pedimos resposta para os MPs de São Paulo e do Rio, que não responderam até a publicação desta reportagem.

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