Pacientes eram contidos e levados à força para a clínica, diz delegado

Após as denúncias de cárcere privado, maus-tratos e outras violações de direitos humanos em uma filial do Instituto Terapêutico Liberte-se, bem como das prisões dos coordenadores da unidade, no Lago Oeste, o delegado-chefe da 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho II), Ricardo Viana, confirma ter recebido, nessa terça-feira (16/9), diversos relatos que denunciam a prática criminosa. Os pacientes afirmaram, por exemplo, que eram levados à força para a clínica.

“Alguns internos nos relataram terem sido pegos em casa e levados à clínica. Trata-se, então, de uma forma de internação involuntária: a clínica pegava o paciente no interior da residência, fazia a contenção, levava à força para o estabelecimento e lá eles ficavam, não tinham condições de sair”, afirma Ricardo Viana, da 35ª DP, delegacia responsável pelas investigações.

O delegado ressalta que a prática é ilícita. “Isso não tem respaldo legal, até porque essa unidade terapêutica não poderia fazer esse tipo de internação involuntária. As pessoas deveriam chegar lá pelo livre arbítrio, pela sua vontade, e quando quisessem ir embora, a clínica tinha que abrir as portas e mandá-las sair”, afirma Viana.

“Segundo a legislação, para fazer internação involuntária, a clínica teria 72 horas para comunicar o Ministério Público do DF (MPDFT). Nesse caso, o prazo de permanência de cada interno deveria ser de, no máximo de 90 dias. Mas eles nunca comunicaram nada ao MPDFT, e havia internos lá há mais de um ano, cenário que configurou o cárcere privado”, explica o delegado.

Os familiares dos pacientes podem ser responsabilizados judicialmente por levá-los até a clínica, de acordo com o delegado, caso fique evidenciado o consentimento dos parentes em deixar as vítimas serem levadas à força para a casa de recuperação.

Maus-tratos, violência sexual e mais

As denúncias feitas por internos da unidade do Lago Oeste do Instituto Terapêutico Liberte-se, nessa terça-feira (16/9), apontam trabalho forçado e não remunerado, tortura, maus-tratos, violência sexual, cobranças abusivas e falta de assistência médica adequada.

Os relatos foram feitos à Polícia Civil do Distrito Federal e também à  Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). A filial do Lago Oeste é diferente da localizada no Núcleo Rural Boqueirão, no Paranoá, que pegou fogo e matou cinco internos, em 31 de agosto último.

Os internos disseram, por exemplo, que sofrem abusos sexuais constantemente, sobretudo aqueles com transtornos mentais. Há ainda denúncias de episódios de pessoas enforcadas, amarradas com cordas e trancadas em quartos superlotados.

A unidade do Lago Oeste também não oferecia assistência médica adequada. Alguns pacientes usavam psicotrópicos como quetiapina e rivotril sem prescrição clara, além de não contarem com a presença de psicólogos e psiquiatras na clínica — quem quisesse se consultar, tinha que desembolsar R$ 300 para uma consulta online. Quem dão os medicamentos são monitores não formados na área médica.

As famílias dos acolhidos já pagam entre R$ 1.600 e R$ 1.800 de mensalidade pela internação e, ainda assim, pagam alimentação por fora e também têm que arcar com gastos como taxa de deslocamento. Se o paciente está com algum problema de saúde e solicita ir ao médico, por exemplo, é cobrado dele um valor entre R$ 150 e R$ 200.

Prisões

Três pessoas, de 40, 46 e 49 anos, foram presas pela Polícia Civil do DF (PCDF), que foi acionada pela CDH logo após a visita. Trata-se do casal de pastores donos da unidade do Lago Oeste e de um coordenador da mesma filial.

A 35ª DP ouviu 27 internos antes de prender em flagrante os coordenadores. Eles responderão pelo crime de cárcere privado.

Sair da versão mobile