A Promotoria do Patrimônio Público do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) mandou arquivar a investigação sobre a compra de armadilhas contra o mosquito da dengue pela Prefeitura de São Paulo. As empresas suspeitas de irregularidades, que continuam fazendo negócios milionários com o município, não precisaram nem prestar depoimento.
O promotor responsável, Paulo Destro, convocou os diretores das empresas envolvidas, mas nenhum respondeu. Houve uma nova tentativa, e os pedidos foram novamente ignorados. Os únicos a serem ouvidos foram representantes da Secretaria Municipal de Saúde, que negaram problemas com a compra. Não houve outras tentativas, nem outros encaminhamentos.
O MP abriu investigação após uma série de reportagens da Agência Pública mostrar que os produtos da Biovec Comércio de Saneantes pertencem a Marco Antonio Bertussi, amigo do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Os dois fundaram juntos uma associação de empresas de controle de pragas. Além disso, todas as concorrentes da licitação eram ligadas a Bertussi.
Há ainda a suspeita de que falhas na manutenção das armadilhas podem ter agravado o surto de dengue que bateu recordes em 2024. Segundo a Controladoria-Geral do Município (CGM), a prefeitura demorou em média sete meses para trocar o veneno do produto, quando o fabricante recomendava quatro semanas e a Secretaria de Saúde estipulava três meses como limite. Fora desse prazo, o veneno perde a eficácia.
A prefeitura continua fazendo negócios com a Biovec. A última compra ocorreu no dia 19, seis dias atrás, quando a administração desembolsou R$ 7,9 milhões em sachês inseticidas, ao custo de R$ 98,80 a unidade. Enquanto isso, servidores municipais relatam que boa parte das armadilhas em uso estão inutilizadas.
Em nota, a prefeitura de São Paulo disse que “repudia qualquer tentativa de descredibilizar um trabalho de combate à dengue tão sério, com método reconhecido pelo Ministério da Saúde e cujos dados oficiais comprovam que tem sido eficaz para reduzir a incidência da doença nas áreas onde as armadilhas estão instaladas.” Leia a íntegra aqui.
Fotos reunidas pelo Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) mostram armadilhas usadas como vaso de flor, criando mofo e até com uma rã nadando no líquido que deveria conter veneno contra o mosquito Aedes aegypti. As imagens são das últimas semanas.
Em alguns casos, armadilhas sem manutenção se tornaram criadouros para o mosquito. “Sem pessoal para fazer manutenção no tempo certo, as armadilhas viram lixo ou proliferam larvas. Não temos respostas e nem acesso a dados para verificar a eficácia da política pública”, afirma Flávia Anunciação, dirigente do Sindsep.
Segundo a gestão municipal, entre janeiro e junho deste ano, o total de casos confirmados de dengue nas áreas com armadilhas foi 35,4% menor do que naquelas sem armadilhas. A administração também afirma que “o processo de contratação seguiu a legislação vigente, foi realizado por pregão eletrônico, sem indicação de marca e contou com a participação de diferentes empresas.”
“As armadilhas não favorecem a proliferação de mosquitos Aedes aegypti. Pelo contrário. Elas contêm larvicida que impede o desenvolvimento de novas larvas, eliminando o risco de surgirem mosquitos transmissores. Seu principal objetivo é reduzir a população de mosquitos adultos e, consequentemente, os casos de dengue em humanos”, diz o texto.
No pedido de arquivamento, Destro argumentou que o caso já está sendo analisado em uma sindicância da CGM e em uma ação na 5ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. No entanto, como a Pública mostrou, a apuração da CGM corre em meio a pressão da gestão municipal. O servidor responsável foi removido do cargo após assinar relatório constatando falhas na manutenção das armadilhas.
O Ministério Público informou que não iria comentar o caso enquanto o pedido de arquivamento estivesse sendo analisado pelo seu Conselho Superior.